Entrevista publicada no Jornal I, a 3 Março 2012, foi-nos sugerida e pensamos também ser relevante darem uma vista de olhos.
Chamou-se a si próprio assassino económico no livro “Confessions of an
Economic Hit Man”, que se tornou bestseller do “New York Times”.
Em tempos consultor na empresa Chas. T. Main, John Perkins andou dez
anos a fazer o que não devia, convencendo países do terceiro mundo a
embarcar em projectos megalómanos, financiados com empréstimos
gigantescos de bancos do primeiro mundo.
Um dia, estava nas
Caraíbas, percebeu que estava farto de negócios sujos e mudou de vida.
Regressou a Boston e, para compensar os estragos que tinha feito,
decidiu usar os seus conhecimentos para revelar ao mundo o jogo que se
joga nos bastidores financeiros.
Deixamos no fim do artigo uma curta metragem baseada no documentário pelo John Perkins "Confessions of an Economic Hitman", que legendamos para português.
- Como se passa de assassino económico a activista?
Em primeiro lugar é preciso passar-se por uma forte mudança de
consciência e entender o papel que se andou a desempenhar. Levei algum
tempo a compreender tudo isto. Fui um assassino económico durante dez
anos e durante esse período achava que estava a agir bem. Foi o que me
ensinaram e o que ainda ensinam nas faculdades de Gestão: planear
grandes empréstimos para os países em desenvolvimento para estimular as
suas economias.
Mas o que vi foi que os projectos que estávamos a
desenvolver, centrais hidroeléctricas, parques industriais, e outras
coisas idênticas, estavam apenas a ajudar um grupo muito restrito de
pessoas ricas nesses países, bem como as nossas próprias empresas, que
estavam a ser pagas para os coordenar.
Não estávamos a ajudar a
maioria das pessoas desses países porque não tinham dinheiro para ter
acesso à energia eléctrica, nem podiam trabalhar em parques industriais,
porque estes não contratavam muitas pessoas. Ao mesmo tempo, essas
pessoas estavam a tornar--se escravos, porque o seu país estava cada
mais afundado em dívidas. E a economia, em vez de investir na educação,
na saúde ou noutras áreas sociais, tinha de pagar a dívida. E a dívida
nunca chega a ser paga na totalidade.
No fim, o assassino
económico regressa ao país e diz-lhes “Uma vez que não conseguem pagar o
que nos devem, os vossos recursos, petróleo, ou o que quer que tenham,
vão ser vendidos a um preço muito baixo às nossas empresas, sem
quaisquer restrições sociais ou ambientais”.
Ou então, “Vamos
construir uma base militar na vossa terra”. E à medida que me fui
apercebendo disto a minha consciência começou a mudar. Assim que tomei a
decisão de que tinha de largar este emprego tudo foi mais fácil. E para
diminuir o meu sentimento de culpa senti que precisava de me tornar um
activista para transformar este mundo num local melhor, mais justo e
sustentável através do conhecimento que adquiri.
Nessa altura a
minha mulher e eu tivemos um bebé. A minha filha nasceu em 1982 e
costumava pensar como seria o mundo quando ela fosse adulta, caso
continuássemos neste caminho. Hoje já tenho um neto de quatro anos, que é
uma grande inspiração para mim e me permite compreender a necessidade
de viver num sítio pacífico e sustentável.
- Houve algum momento em particular em que tenha dito para si mesmo “não posso fazer mais isto”?
Sim, houve. Fui de férias num pequeno veleiro e estive nas Ilhas
Virgens e nas Caraíbas. Numa dessas noites atraquei o barco e subi às
ruínas de uma antiga plantação de cana-de-açúcar.
O sítio era
lindo, estava completamente sozinho, rodeado de buganvílias, a olhar
para um maravilhoso pôr do Sol sobre as Caraíbas e sentia-me muito
feliz. Mas de repente cheguei à conclusão que esta antiga plantação
tinha sido construída sobre os ossos de milhares de escravos. E depois
pensei como todo o hemisfério onde vivo foi erguido sobre os ossos de
milhões de escravos. E tive também de admitir para mim mesmo que também
eu era um esclavagista, porque o mundo que estava a construir, como
assassino económico, consistia, basicamente, em escravizar pessoas em
todo o mundo. E foi nesse preciso momento que me decidi a nunca mais
voltar a fazê-lo. Regressei à sede da empresa onde trabalhava em Boston e
demiti-me.
- E qual foi a reacção deles?
De início
ninguém acreditou em mim. Mas quando se aperceberam de que estava
determinado tentaram demover-me. Fizeram-me propostas muito
interessantes. Mas fui-me embora à mesma e deixei por completo de me
envolver naquele tipo de negócios.
- Diz que os assassinos
económicos são profissionais altamente bem pagos que enganam os países
subdesenvolvidos, recorrendo a armas como subornos, relatórios
falsificados, extorsões, sexo e assassinatos. Pode explicar às pessoas
que não leram o seu livro como tudo isto funciona?
Basicamente,
aquilo que fazíamos era escolher um país, por exemplo a Indonésia, que
na década de 70 achávamos que tinha muito petróleo do bom. Não tínhamos a
certeza, mas pensávamos que sim. E também sabíamos que estávamos a
perder a guerra no Vietname e acreditávamos no efeito dominó, ou seja,
se o Vietname caísse nas mãos dos comunistas, a Indonésia e outros
países iriam a seguir.
Também sabíamos que a Indonésia tinha a
maior população muçulmana do mundo e que estava prestes a aliar-se à
União Soviética, e por isso queríamos trazer o país para o nosso lado.
Fui à Indonésia no meu primeiro serviço e convenci o governo do país a
pedir um enorme empréstimo ao Banco Mundial e a outros bancos, para
construir o seu sistema eléctrico, centrais de energia e de transmissão e
distribuição. Projectos gigantescos de produção de energia que de forma
alguma ajudaram as pessoas pobres, porque estas não tinham dinheiro
para pagar a electricidade, mas favoreceram muito os donos das empresas e
os bancos e trouxeram a Indonésia para o nosso lado.
Ao mesmo
tempo, deixaram o país profundamente endividado, com uma dívida que,
para ser refinanciada pelo Fundo Monetário Internacional, obrigou o
governo a deixar as nossas empresas comprarem as empresas de serviços
básicos de utilidade pública, as empresas de electricidade e de água,
construir bases militares no seu território, entre outras coisas. Também
acordámos algumas condicionantes, que garantiam que a Indonésia se
mantinha do nosso lado, em vez de se virar para a União Soviética ou
para outro país que hoje em dia seria provavelmente a China.
- Trabalhou de muito perto com o Banco Mundial?
Muito, muito perto. Muito do dinheiro que tínhamos vinha do Banco
Mundial ou de uma coligação de bancos que era, geralmente, liderada pelo
Banco Mundial.
- Sugere no seu livro que os líderes do Equador e
do Panamá foram assassinados pelos Estados Unidos. No entanto, existem
vários historiadores que defendem que isso não é verdade. O que acha que
aconteceu com Jaime Roldós e Omar Torrijos?
Não existem provas sólidas quer do que aconteceu no Equador, com Roldós, quer do que se passou no Panamá, com Torrijos.
Porém, existem muitas provas circunstanciais. Por exemplo, Roldós foi o
primeiro a morrer, num desastre de avião em Maio de 1981, e a área do
acidente foi vedada, ninguém podia ir ao local onde o avião se
despenhou, excepto militares norte-americanos ou membros do governo
local por eles designados. Nem a polícia podia lá entrar.
Algumas testemunhas-chave do desastre morreram em acidentes estranhos
antes de serem chamadas a depor. Um dos motores do avião foi enviado
para a Suíça e os exames mostram que parou de funcionar quando estava
ainda no ar e não ao chocar contra a montanha. Isto é, existem provas
circunstanciais tremendas em torno desta morte, e além disso todos
estavam à espera que Jaime Roldós fosse derrubado ou assassinado porque
não estava a jogar o nosso jogo. Logo depois de o seu avião se ter
despenhado, Omar Torrijos juntou a família toda e disse: “O meu amigo
Jaime foi assassinado e eu vou ser o próximo, mas não se preocupem,
alcancei os objectivos que queria alcançar, negociei com sucesso os
tratados do canal com Jimmy Carter e esse canal pertence agora ao povo
do Panamá, tal como deve ser. Por isso, depois de eu ser assassinado,
devem sentir-se bem por tudo aquilo que conquistei.”
A verdade é
que os EUA, a CIA e pessoas como o Henry Kissinger admitiram que o
nosso país tinha derrubado Salvador Allende, no Chile; Jacobo Arbenz, na
Guatemala; Mohammed Mossadegh, no Irão; participámos no afastamento de
Patrice Lumumba, no Congo; de Ngô Dinh Diem, no Vietname. Existem
inúmeros documentos sobre a história dos EUA que provam que fizemos
estas coisas e continuamos a fazê-las.
Sabe-se que estivemos
profundamente envolvidos, em 2009, no derrube no presidente Manuel
Zelaya, nas Honduras, e na tentativa de afastar Rafael Correa, no
Equador, também há não muito tempo. Os EUA admitiram muitas destas
coisas e pensar que eles não estiveram envolvidos nos homicídios de
Roldós e Torrijos... Estes dois homens foram assassinados quase da mesma
forma, num espaço de três meses. Ambos tinham posições contrárias aos
EUA e às suas empresas e estavam a assumir posições fortes para defender
os seus povos – é pouco razoável pensar o contrário.
- Algumas pessoas acusam-no de ser um teórico da conspiração. O que tem a dizer sobre isso?
Bem, não sou, de modo nenhum, um teórico da conspiração. Não acredito
que exista uma pessoa ou um grupo de pessoas sentadas no topo a tomar
todas as decisões. Mas torno muito claro no meu último livro,
“Hoodwinked” (2009), e também em “Confessions of an Economic Hit Man”
(2004) – editado em Portugal pela Pergaminho em 2007 com o título
“Confissões de Um Mercenário Económico: a Face Oculta do Imperialismo
Americano” –, que as multinacionais são movidas por um único objectivo
que é maximizar os lucros, independentemente das consequências sociais e
ambientais.
Estes últimos são novos objectivos que não eram
ensinados quando estudei Gestão, no final dos anos 60. Ensinaram-me que
havia apenas este objectivo entre muitos outros, por exemplo tratar bem
os funcionários, dar-lhes uma boa assistência na saúde e na reforma, ter
boas relações com os clientes e os fornecedores, e também ser um bom
cidadão, pagar impostos e fazer mais que isso, ajudar a construir
escolas e bibliotecas.
Tudo se agravou nos anos 70, quando
Milton Friedman, da escola de economia de Chicago, veio dizer que a
única responsabilidade no mundo dos negócios era maximizar os lucros,
independentemente dos custos sociais e ambientais.
E Ronald
Reagan, Margaret Thatcher e muitos outros líderes mundiais
convenceram-se disso desde então. Todas estas empresas são orientadas
segundo este objectivo e quando alguma coisa o ameaça, seja um acordo de
comércio multilateral seja outra coisa qualquer, juntam--se para
garantir que o mesmo é protegido. Isto não é uma conspiração, uma
conspiração é ilegal, isto que fazem não é. No entanto, é extremamente
prejudicial para a economia mundial.
- Também escreveu que o objectivo último dos EUA é construir um império global. Como vê a recente estratégia norte-americana contra a China e o Irão?
Actualmente, podemos dizer que o novo império não é tanto americano como
formado por multinacionais. Penso que a ditadura das grandes empresas e
dos seus líderes forma hoje a versão moderna desse império. Repito,
isto não é uma conspiração, mas todos eles são movidos por esse
objectivo de que falámos anteriormente.
- Mas vários
especialistas defendem que estamos num cenário de terceira guerra
mundial, com a China, a Rússia e o Irão de um lado e os EUA, a União
Europeia (UE) e Israel do outro. E que toda a conversa de Washington em
torno do programa nuclear iraniano não passa de uma grande mentira.
Não acredito que todo este conflito seja motivado por armas nucleares.
Na verdade, vários estudos recentes, alguns deles das mais respeitadas
agências de informações norte-americanas, mostram que não existem armas
nucleares no Irão. E acredito que tudo isto não se deve apenas aos
recursos iranianos mas também à ameaça de Teerão de vender petróleo no
mercado internacional numa moeda que não o dólar, uma ameaça também
feita por Muammar Kadhafi, na Líbia, e Saddam Hussein, no Iraque.
Os norte-americanos não gostam que ameacem o dólar e não gostam que
ameacem o seu sistema bancário, algo que todos esses líderes fizeram – o
líder do Irão, o líder do Iraque, o líder da Líbia. Derrubaram dois
deles e o terceiro ainda lá está. Penso que é disto que se trata. Não
tenho dúvidas de que a Rússia está a gostar de ver a agitação entre a UE
e o Irão, porque Moscovo tem muito petróleo e, se os fornecedores
iranianos deixarem de vender, o preço do petróleo vai subir, o que será
uma grande ajuda para a Rússia. É difícil acreditar que qualquer destes
países queira mesmo entrar numa terceira guerra mundial. No fundo, o que
querem é estar constantemente a confundir as pessoas, parecendo que
querem entrar em conflito e ajudar a alimentar as máquinas de guerra,
porque isso ajuda uma série de grandes empresas.
- Como durante a Guerra Fria?
Sim, como durante a Guerra Fria, porque isso é bom para os negócios. No
fundo, estes países estão todos a servir os interesses das grandes
empresas. Há algumas centenas de anos, a geopolítica era
maioritariamente liderada por organizações religiosas; depois os
governos assumiram esse poder. Agora chegámos à fase em que a
geopolítica é conduzida em primeiro lugar pelas grandes multinacionais. E
elas controlam mesmo os governos de todos os países importantes,
incluindo a Rússia, a China e os EUA.
A economia da China nunca
poderia ter crescido da forma que cresceu se não tivesse estabelecido
fortes parcerias com grandes multinacionais. E todos estes países são
muito dependentes destas empresas, dos presidentes destas empresas, que
gostam de baralhar as pessoas, porque constroem muitos mísseis e todo o
tipo de armas de guerra. É uma economia gigante. A economia
norte-americana está mais baseada nas forças armadas que noutra coisa
qualquer. Representa a maior fatia do nosso orçamento oficial e uma
parte maior ainda do nosso orçamento não oficial. Por isso tanto a
guerra como a ameaça de guerra são muito boas para as grandes
multinacionais. Mas não acredito que haja alguém que nos queira ver de
facto entrar em guerra, dada a natureza das armas. Penso que todas as
pessoas sabem que seria extremamente destrutivo.
- Como avalia o trabalho de Barack Obama enquanto presidente dos EUA?
Penso que se esforçou muito por agir bem, mas está numa posição
extremamente vulnerável. Assim que alguém entra na Casa Branca, sejam
quais forem as suas ideias políticas, os seus motivos ou a sua
consciência, sabe que é muito vulnerável e que o presidente dos EUA, ou
de outro país importante, pode ser facilmente afastado.
Nalgumas
partes do mundo, como a Líbia ou o Irão, talvez só com balas o seu
poder possa ser derrubado, mas em países como os EUA um líder pode ser
afastado por um rumor ou uma acusação.
O presidente do FMI,
Dominique Strauss-Kahn, ver a sua carreira destruída por uma empregada
de quarto de um hotel, que o acusou de violação, foi um aviso muito
forte a Obama e a outros líderes mundiais. Não estou a defender
Strauss-Kahn – não faço a mínima ideia de qual é a verdade por trás do
que aconteceu, mas o que sei é que bastou uma acusação de uma empregada
de quarto para destruir a sua carreira, não só como director do FMI mas
também como potencial presidente francês. Bill Clinton também foi
afastado por um escândalo sexual, mas no tempo de John Kennedy estas
coisas não derrubavam presidentes. Só as balas. Porém, descobrimos com
Bill Clinton que um escândalo sexual – e não é preciso ser uma coisa
muito excitante, porque aparentemente ele nem sequer teve sexo com a
Monica Lewinsky, fizeram uma coisa qualquer com um charuto que já não me
lembro – foi o suficiente para o descredibilizar. Por isso Obama está
numa posição muito vulnerável e tem de jogar o jogo e fazer o melhor que
pode dentro dessas limitações. Caso contrário, será destruído.
-
No fim do ano passado escreveu um artigo onde afirmava que a Grécia
estava a ser atacada por assassinos económicos. Acha que Portugal está
na mesma situação?
Sim, absolutamente, tal como aconteceu com a
Islândia, a Irlanda, a Itália ou a Grécia. Estas técnicas já se
revelaram eficazes no terceiro mundo, em países da América Latina, de
África e zonas da Ásia, e agora estão a ser usadas com êxito contra
países como Portugal.
E também estão a ser usadas fortemente nos
EUA contra os cidadãos e é por isso que temos o movimento Occupy. Mas a
boa notícia é que as pessoas em todo o mundo estão a começar a
compreender como tudo isto funciona. Estamos a ficar mais conscientes.
As pessoas na Grécia reagiram, na Rússia manifestam-se contra Putin, os
latino-americanos mudaram o seu subcontinente na última década ao
escolher presidentes que lutam contra a ditadura das grandes empresas.
Dez países, todos eles liderados por ditadores brutais durante grande
parte da minha vida, têm agora líderes democraticamente eleitos com uma
forte atitude contra a exploração. Por isso encorajo as pessoas de
Portugal a lutar pela sua paz, a participar no seu futuro e a
compreender que estão a ser enganadas. O vosso país está a ser saqueado
por barões ladrões, tal como os EUA e grande parte do mundo foi roubado.
E nós, as pessoas de todo o mundo, temos de nos revoltar contra os seus
interesses. E esta revolução não exige violência armada, como as
revoluções anteriores, porque não estamos a lutar contra os governos mas
contra as empresas. E precisamos de entender que são muito dependentes
de nós, são vulneráveis, e apenas existem e prosperam porque nós lhes
compramos os seus produtos e serviços.
Assim, quando nos
manifestamos contra elas, quando as boicotamos, quando nos recusamos a
comprar os seus produtos e enviamos emails a exigir-lhes que mudem e se
tornem mais responsáveis em termos sociais e ambientais, isso tem um
enorme impacto. E podemos mudar o mundo com estas atitudes e de uma
forma relativamente pacífica.
- Mas as próprias empresas deviam ver que a ditadura das multinacionais é um beco sem saída.
Bem, penso que está absolutamente certa. Há alguns meses estive a falar
numa conferência para 4 mil CEO da indústria das telecomunicações em
Istambul e vou regressar lá, dentro de um mês, para uma outra
conferência de CEO e CFO de grandes empresas comerciais, e digo-lhes a
mesma coisa. Falo muitas vezes com directores-executivos de empresas e
sou muitas vezes chamado a dar palestras em universidades de Gestão ou
para empresários e também lhes digo o mesmo. Aquilo que fizemos com esta
economia mundial foi um fracasso. Não há dúvida. Um exemplo disso: 5%
da população mundial vive nos EUA e, no entanto, consumimos cerca de 30%
dos recursos mundiais, enquanto metade do mundo morre à fome ou está
perto disso.
Isto é um fracasso. Não é um modelo que possa ser
replicado em Portugal, ou na China ou em qualquer lado. Seriam precisos
mais cinco planetas sem pessoas para o podermos copiar. Estes países
podem até querer reproduzi-lo, mas não conseguiriam. Por isso é um
modelo falhado e você tem razão, porque vai acabar por se desmoronar.
Por isso o desafio é como mudamos isto e como apelar às grandes empresas
para fazerem estas mudanças. Obrigando-as e convencendo-as a ser mais
sustentáveis em termos sociais e ambientais. Porque estas empresas somos
basicamente nós, a maioria de nós trabalha para elas e todos compramos
os seus produtos e serviços. Temos um enorme poder sobre elas. Por
definição, uma espécie que não é sustentável extingue-se. Vivemos num
sistema falhado e temos de criar um novo. O problema é que a maior parte
dos executivos só pensa a curto prazo, não estão preocupados com o tipo
de planeta que os seus filhos e os seus netos vão herdar.
-
Podemos afirmar que esta crise mundial foi provocada por assassinos
económicos e rotular os líderes da troika como serial killers?
Penso que é justo dizer que os assassinos económicos são os homens de
mão, nós, os soldados, e os presidentes das grandes multinacionais e de
organizações como o Banco Mundial, o FMI ou Wall Street, os generais.
- Ainda há dias o “Financial Times” divulgou que os gestores
financeiros de Wall Street andavam a tomar testosterona para se tornarem
ainda mais competitivos. Isto faz parte do beco sem saída de que está a
falar?
A sério?! Ainda não tinha ouvido isso, mas não me
surpreende nada. No entanto, aquilo que precisamos hoje em dia é de um
lado feminino, temos de caminhar na direcção oposta e livrar-nos dessa
testosterona. Precisamos de mais líderes mulheres, mulheres reais – não
homens vestidos com roupas de mulher, por assim dizer – para trazerem
com elas os valores de receptividade e do apoio e encorajarem os homens a
cultivar isso neles próprios. Nós, homens, temos de estar muito mais
ligados ao nosso lado feminino.
- Se fôssemos apresentar esta crise económica à polícia, quem seriam os criminosos a acusar?
Pense em qualquer grande multinacional e à frente dessa multinacional
estará alguém responsável pela ditadura empresarial, seja a Goldman
Sachs, em Wall Street, seja a Shell, a Monsanto ou a Nike. Todos os
líderes dessas empresas estão profundamente envolvidos em tudo isto e,
da mesma forma, estão os líderes do FMI, do Banco Mundial e de outras
grandes instituições bancárias. Detesto estar a dar nomes, estas pessoas
estão sempre a mudar de emprego, por isso prefiro apontar os cargos.
Eles estão sempre em rotação, por exemplo, o nosso antigo presidente,
George W. Bush, veio da indústria petrolífera. A sua secretária de
Estado, Condoleezza Rice, também veio da indústria petrolífera. Já Obama
tem a sua política financeira concebida por Wall Street,
maioritariamente pela Goldman Sachs.
Mudaram-se da empresa para a actual
administração norte-americana. A sua política de agricultura é feita
por pessoas da Monsanto e de outras grandes empresas do sector. E a
parte triste é que assim que o seu tempo expirar em Washington voltam
para essas empresas.
Vivemos num sistema incrivelmente corrupto.
Aquilo a que chamamos política das portas giratórias é só uma outra
designação de corrupção extrema.