18/10/2015

O nosso Sistema Representativo nasceu de um caldeirão de ismos

25 de Abril de 1974. A porta que abriu, uma liberdade longamente esperada, que voou nas mentes, nos corações, nas vidas dos portugueses; crianças e almas inocentes, na generalidade semi ou mesmo analfabetos; criados em vidas de dificuldades, de subsistência sempre em duvida; fechados culturalmente a mundos diferentes e distantes, em distância aumentada por todo o tipo de barreiras; curiosos e abertos a tudo que era novo; se possível importado de fresco, mesmo que podre e ressabiado, desde que bem embrulhado e bem apresentado; fartos de 48 anos do mesmo, dia após dia, cinzento, para não dizer negro; esfacelados em sangue, por terras longínquas, herdadas de aventuras antigas, e desfasadas na história; juventudes perdidas, cortadas, e revoltadas, que um dia explodiram. De felicidade claro, nesse dia 25 de Abril.
E as nossas élites? Herdadas, importadas; formadas nos rescaldos da Grande Guerra; discípulos dos oponentes da guerra fria; e também vítimas do exilio, para Europas diferentes e antagónicas que cresceram muito para lá, deste povo à beira mar plantado, só e solitário; desenraizado do progresso, sonhado e invejado, nos vislumbres das “vacances” dos que voltavam por poucos dias.
E quem chegou e quem foi, neste marco da liberdade?

Quem foi, foram todos aqueles que representavam as forças da prisão, do imobilismo, do arbítrio, da miséria disseminada, da ignorância estabelecida, do poder económico rendista e monopolista; uma grande vassourada; uma grande reciclagem; de algo que estava podre, bafiento e ultrapassado na história.
Quem veio, foram todos aqueles que queriam ocupar o lugar dos outros.
Os militares idealistas, mas também cheios de raízes no povo, a maioria de formação incipiente e parcelizada; um pouco de Marx, réstias de Avante, ouvintes e fascinados por uma Europa de progresso, formados entre na solidariedade da guerra e da caserna; em fractura com um Regime, que os usava e abusava, numa guerra sem sentido e direcção.
Os filhos de segunda linha do Regime; alas mais ou menos liberais, que se tornaram democratas da noite para do dia; filhos de élites culturais e económicas, em conflito anterior, com as mentalidades atrasadas e ultrapassadas; ansiosos, por liberdade económica, e por uma abertura ao mundo, que tardava, fruto dos embargos internacionais, derivados da guerra colonial.
Os “papões” comunistas; renascidos, da noite de 48 anos; radicalizados no medo e na solidariedade intima entre si; da porta aberta das redes clandestinas; de regresso, de uma Europa existente por detrás do muro, mítica, desconhecida, fabulizada; cheios de gana, por uma sociedade diferente e idealista, revanchista contra tudo e todos; cavalgantes numa luta de classes, que tudo abalaria; títeres de expansionismos e de jogos geopolíticos longínquos e alheios aos reais anseios populacionais.
Com malas cheias de dinheiro, apareceram os recém-convertidos ao socialismo democrático; recauchutados, na Alemanha Ocidental, e refastelados em França, vinham dispostos a vender uma visão europeísta de crescimento e progresso, aos carentes indígenas ávidos precisamente disso mesmo; mas também ocultamente, mandatados para servir interesses, de quem os ensinou, guiou e financiou; num mundo bipolarizado, toda a gente teria de optar por um dos lados. E de ter algum interesse nisso.
A amálgama dos herdeiros do Maio de 68, e de todas as cisões, que foram ocorrendo mundo fora; tão longe e tão perto, que aqui se derramaram e espalharam , como onda de verdades absolutas antagónicas, criadoras de raivas e de ódios; radicais, estranhas, desenraizadas, incendiárias, que se foram apagando ao longo do tempo e das desilusões.
E foi neste caldeirão de ismos, que em 25 de Abril de 75, se elegeu a Assembleia Constituinte. Em ambiente de festa nunca visto, mas sonhado por muitos. Hierarquizou-se as tendências e as preferências. Mas também se radicalizou a luta pelo poder, numa orgia de odio, medo e raiva, que produziu esse irrepetível verão quente de 75. E foi nesse ambiente, que nasceu a nossa Constituição. E se estabeleceu o nosso método eleitoral. Mais preparado, para garantir um sistema, do que para propiciar ao povo a explicitação da sua vontade. Um velho, a entrar na idade da reforma.