Já ouviu falar do TTIP? Se a sua resposta for não, não fique muito preocupado; não é suposto o tema ser muito debatido.
A Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento ou TTIP consiste
numa série de negociações comerciais em curso, em segredo na sua maior
parte, entre a UE e os EUA.
Como um acordo de comércio bilateral o TTIP
trata da redução das barreiras regulamentares ao comércio para as
grandes empresas, coisas como legislação sobre segurança alimentar, a
legislação ambiental, os regulamentos bancários e os poderes soberanos
das nações.
É, como disse John Hilary, director executivo do grupo
activista War on Want: “Um ataque às sociedades europeias e
norte-americanas por empresas transnacionais.”
Desde antes do começo das negociações do TTIP em Fevereiro passado, o
processo tem sido secreto e não democrático. Este secretismo está em
curso, com quase todas as informações sobre as negociações provenientes
de documentos resultantes de fugas de informação e de pedidos ao abrigo
da lei de Liberdade de Informação- https://en.wikipedia.org/wiki/Freedom_of_information_laws_by_country)
Mas infelizmente, a natureza secreta das conversações pode bem ser o
menor dos nossos problemas. Aqui estão seis outras razões pelas quais
devemos ter medo de TTIP, muito medo, de facto:
1 O SNS
Os serviços públicos, especialmente o SNS, estão na linha de fogo. Um
dos principais objectivos do TTIP é abrir os serviços públicos de
saúde, educação e a água da Europa às empresas dos EUA. Isso
essencialmente equivaleria à privatização do SNS.
A Comissão Europeia afirmou que os serviços públicos serão mantidos fora do TTIP. No entanto, de acordo com o Huffington Post,
o Secretário de Estado para o Comércio e Investimento do Reino Unido,
Lord Livingston, admitiu que as negociações sobre o SNS ainda estavam em
cima da mesa.
2 Segurança alimentar e ambiental
A agenda do TTIP sobre “convergência regulamentar” tentará aproximar
as normas da UE em matéria de segurança alimentar e do ambiente às dos
EUA.
Mas os regulamentos norte-americanos são muito menos rigorosos, com
70 por cento de todos os alimentos processados vendidos nos
supermercados dos EUA contendo actualmente ingredientes geneticamente
modificados. Em contrapartida, a União Europeia praticamente não
autoriza alimentos geneticamente modificados.
clicar para aumentar |
Os EUA também têm
restrições muito mais laxistas sobre o uso de pesticidas. Também usam
hormonas de crescimento em sua carne que são restringidas na Europa
devido a ligações ao cancro.
Os agricultores dos EUA tentaram ver-se
livres essas restrições várias vezes no passado, através da Organização
Mundial do Comércio e é provável que eles tentem usar o TTIP para tal
novamente.
O mesmo vale para o meio ambiente, onde a regulamentação REACH da UE é
muito mais exigente em relação a substâncias potencialmente tóxicas. Na
Europa, uma empresa tem de provar que uma substância é segura antes
dela poder ser usada; nos EUA, aplica-se o princípio contrário: qualquer
substância pode ser usada até que se prove insegura. Como exemplo, a UE
proíbe actualmente 1.200 substâncias de serem usadas em cosméticos; os
EUA apenas 12.
3 Regulamentação bancária
O TTIP é uma faca de dois gumes. Pensa-se que o Reino Unido, sob a
influência da toda-poderosa City de Londres, esteja à procura de um
afrouxamento da regulamentação bancária nos EUA. As regras financeiras
da América são mais duras do que as nossas. Elas foram postas em prática
após a crise financeira para reduzir directamente os poderes dos
banqueiros e evitar que uma crise semelhante volte a acontecer. O TTIP,
teme-se, irá remover essas restrições, entregando efectivamente todos os
poderes de volta aos banqueiros.
4 Privacidade
Lembra-se do ACTA (o Acordo Comercial Anti-Cópia Ilegal)? Ele foi
rejeitado por uma maioria maciça no Parlamento Europeu em 2012, depois
de uma enorme reacção pública contra o que foi justamente visto como um
ataque à privacidade individual onde os fornecedores de serviços de
internet seriam necessários para monitorizar a actividade on-line das
pessoas.
Bem, teme-se que o TTIP poderia estar trazendo de volta os
elementos centrais do ACTA, provando que, se a abordagem democrática não
funcionar, há sempre a porta dos fundos. Uma flexibilização das leis de
privacidade de dados e uma restrição do acesso do público aos ensaios
clínicos das empresas farmacêuticas também podem estar nas cartas.
5 Empregos
A UE admitiu que o TTIP provavelmente causará desemprego na medida em
que haverá empregos a deslocar-se para os EUA, onde as normas de
trabalho e os direitos sindicais são mais reduzidos. Até aconselhou os
membros da UE a recorrer a fundos de apoio europeus para compensar o
desemprego esperado.
Exemplos de outros acordos comerciais bilaterais semelhantes noutras
paragens parecem apontar para percas de empregos. O Acordo de Livre
Comércio da América do Norte (NAFTA) entre os EUA, Canadá e México
causou a perda de um milhão de empregos nos EUA ao longo de 12 anos, em
vez das centenas de milhares de empregos que tinham sido prometidos.
6 Democracia
A maior ameaça do TTIP para a sociedade é o seu implícito ataque à
democracia. Um dos principais objectivos do TTIP é a introdução das
arbitragens de conflitos entre investidores e os estados (ISDS –
Investor-State Dispute Settlements), que possibilitam que empresas
processem os governos se as políticas desses governos causarem uma perda
de lucros. Com efeito, isso significa que empresas transnacionais não
eleitas podem ditar as políticas de governos democraticamente eleitos
podem ditar as políticas dos governos democraticamente eleitos.
ISDSs já estão em vigor em outros acordos comerciais bilaterais em
todo o mundo e levaram a tais injustiças, como na Alemanha, onde a
empresa de energia sueca Vattenfall está processando o governo alemão
por milhares de milhões de dólares por causa da sua decisão de eliminar
gradualmente as centrais nucleares, na sequência do desastre de
Fukushima, no Japão. Aqui vemos uma política de saúde pública posta em
prática por um governo democraticamente eleito que está sendo ameaçado
por um gigante de energia por causa de uma perda potencial de lucro.
Nada poderia ser mais cinicamente anti-democrático.
Há cerca de 500 casos similares de empresas contra as nações em curso
em todo o mundo no momento e todos eles estão ocorrendo em ‘tribunais
arbitrais’ compostos por advogados corporativos nomeados numa base ad
hoc, que, de acordo com John Hilary da War on Want, são “pouco mais do
que tribunais da tanga” com “um interesse próprio em decidir a favor das
empresas.”
Então, eu não sei quanto a vocês, mas eu estou com medo. Eu votaria
contra o TTIP, excepto … espere lá um minuto …que não posso. Como você,
eu não tenho nenhum voto na decisão se o TTIP passa ou não. Tudo o que
posso fazer é falar dele a tantas pessoas quanto possível, como espero
você também faça. Podemos ser obrigados a aceitar um ataque à
democracia, mas pelo menos podemos lutar contra a conspiração do
silêncio.
Artigo do Independent :
Podem ver o video em baixo que legendamos para português (clicar em cc), e aceder a mais informação no site www.nao-ao-ttip.pt
Aqui também podem encontrar um excelente artigo sobre o TTIP e os direitos laborais da SOLID