09/04/2016

Nuit Debout, O Movimento Francês que os Média querem ignorar

Começou em Paris e começa a espalhar-se por toda a França e também começam a chegar notícias do seu alastramento a Espanha. 

O Movimento Nuit Debout, (#NuitDebout), está a envolver milhares de pessoas que ocupam praças nas principais cidades francesas e está a ser completamente ignorado pelos média portugueses. Traduzimos aqui um artigo do jornal inglês The Guardian. Vamos procurar acompanhar com atenção este movimento pois algo de novo pode estar a acontecer.

O Movimento Nuit Debout ocupa as principais cidades francesas, numa chamada revolucionária de mudança, por Angelique Chrisafis, The Guardian, traduzido pelo RiseUp Portugal.




Quando a noite caiu sobre Paris, milhares de pessoas se sentaram com as pernas cruzadas na grande Place de la République, revezando-se com um microfone a denunciar tudo, desde o domínio do Google à evasão fiscal ou desigualdades sociais.

O debate continuou até as primeiras horas da manhã, com sopa e sanduíches numa tenda feita cantina e um coro de protesto que entoava canções revolucionárias. Um punhado de manifestantes em tendas, em seguida, deitaram-se para "ocupar" a praça durante a noite até serem solicitados pela polícia para a desocuparem pouco antes do amanhecer. Mas na manhã seguinte eles voltaram para montar de novo seu acampamento de protesto novamente.

Há mais de uma semana, estas vastas reuniões de protesto noturnos - de pais com bebés, estudantes, trabalhadores, artistas e pensionistas, espalharam-se por toda a França, aumentando em número, e estão a começar a deixar em pânico o governo francês.

Chamado de
Nuit Debout, (#NuitDeBout), o que significa vagamente "levantar-se durante a noite", o movimento de protesto está a ser cada vez mais comparado à iniciativa Occupy que mobilizou centenas de milhares de pessoas em 2011 ou aos Indignados em Espanha.

Apesar da França ter uma longa história de movimentos de protesto criados a partir da juventude, desde o maio 1968 o Nuit Debout, que se espalhou para cidades como Toulouse, Lyon e Nantes e até mesmo ao longo da fronteira para Bruxelas, é visto como um fenómeno novo.

Tudo começou a 31 de março numa noite com uma acampada em Paris depois de manifestações de rua organizadas por estudantes e sindicatos críticos das mudanças propostas do presidente François Hollande para leis laborais. Mas o movimento e as suas acções noturnas já tinham sido planeadas meses antes numa reunião em Paris de activistas de esquerda.

"Éramos cerca de 300 ou 400 numa reunião pública em fevereiro e perguntamos a nós próprio como poderiamos realmente assustar o governo? E tivemos uma ideia: no próximo grande protesto rua, nós simplesmente não iria-mos para casa ", disse Michel, 60, um ex-motorista.
 

"A 31 de março, aquando dos protestos por direitos laborais, foi o que aconteceu. Choveu torrencialmente, mas mesmo assim, todos voltaram aqui para a praça. Em seguida, às 9h da noite, a chuva parou e ficamos. Voltamos no dia seguinte e continuamos a voltar todas as noites, e isso tem assustado o governo."

"Há algo aqui que eu nunca vi antes na França - todas estas pessoas convergem aqui a cada noite de livre e espontânea vontade para conversar e debater ideias - de habitação aos salários, refugiados, qualquer tópico que achem importante. Ninguém lhes disse para vir, nenhum sindicato os está a empurrar para aqui - eles vêm por vontade própria ".

A ideia surgiu entre activistas ligados a uma revista de esquerda e a equipe por detrás do filme/documentário Merci Patron!, que mostra um casal em confronto com o homem mais rico da França, o bilionário Bernard Arnault. Mas o movimento ganhou impulso próprio - não apenas por causa dos protestos laborais ou em solidariedade com os trabalhadores da fábrica francesa de pneus Goodyear que sequestraram seus chefes em 2014. O movimento expandiu-se e aborda uma série de questões e reivindincações, incluindo também o estado de emergência e a repressão policial em resposta aos ataques terroristas do ano passado.

"A questão laboral foi a gota d'água", disse Matthew, 35 anos, que está em formação para ser professor, depois de 10 anos no sector privado, e que tinha criado um grupo de canto revolucionário improvisado na praça. "Mas ultrapassa tudo isso. Este governo, que é suposto ser socialista, apresentou uma série demedidas com as quais eu não concordo, ignorando problemas sérios como o desemprego, as alterações climáticas e uma sociedade a caminho do desastre". Muitos na multidão dizem que, após quatro anos do Partido Socialista de Hollande no poder, sentem-se traidos e sua revolta está a fervilhar.

Jocelyn, 26 anos, um ex-estudante de medicina, actuando como um porta-voz do movimento disse: "Existem paralelos com o Occupy e os Indignados. A ideia é deixar toda a gente falar. As pessoas estão fartas e cansadas e esse sentimento tem-se vindo a acumular desde há vários anos para cá. Tudo o que Hollande prometeu  abandonou e isso deixa-me particularmente desgostoso. Pessoalmente, aponto o estado de emergência, as novas leis de vigilância, as mudanças no sistema de justiça e o constante aperto policial." 

O governo francês e as autoridades parisienses estão a ser cautelosos sobre o policiamento do movimento. Uma investigação está em curso devido a um episódio de uma suposta agressão por um policial a um estudante numa escola secundária em Paris no mês passado durante uma manifestação contra a reforma laboral. O governo está a preparar possíveis concessões aos estudantes e aos jovens para acalmar os manifestantes esperados em próximas acções.

Todas as noites no Place de la République em Paris, a "Assembleia Geral" começa às 18:00hrs e a multidão discute ideias. Centenas de manifestantes comunicam usando gestos codificados: balançando os dedos acima das suas cabeças para expressar concordância ou cruzando os pulsos para discordar.

Várias comissões surgiram para debater uma constituição nova, a sociedade, o trabalho, e como a ocupar a praça com estruturas de madeira mais permanentes. Vários quadros listam as discussões e actividades da noite - desde debates sobre economia, a formação em média social para manifestantes. "Sem ódio, sem armas, sem violência," era o mote descrito pela "comissão de acção".

"Esta deve ser uma mini-sociedade perfeita",
disse um membro da comissão de jardinagem à multidão. A comissão de poesia, foi criada para documentar e criar slogans do movimento. "Todos os movimentos precisam de terem um elemento artístico e literário", disse o poeta que a propôs.

Os manifestantes ajudam a regularmente outros movimentos de protesto, como um piquete a um banco após as revelações dos Panama Papers ou uma manifestação contra os despejos de migrantes no norte de Paris.
 

“Generation revolution”,a "Geração Revolução", estava escrito na calçada. O conceito por trás do movimento é uma "convergência de lutas" sem líderes. Não existem bandeiras sindicais ou bandeiras de grupos específicos no protesto na praça - uma raridade em França.

Cécile, 22, uma estudante de direito Paris na assembleia geral de quinta-feira à noite, disse-nos: "Não estou de acordo com o estado em que a sociedade se encontra hoje. Para mim, a política parece-me algo avariado. Este movimento apela à acção cidadã. Eu venho aqui depois das aulas e pretendo continuar a voltar. Espero que isto dure."