Lágrimas
amargas ou, alguém diria lágrimas de crocodilo, parece ser tudo o que o
FMI tem hoje para oferecer. Durante anos, a instituição foi um pilar
dos “programas de ajustamento” que, testados em África e na América
Latina, conduziram sempre a um mesmo resultado, transferência de
rendimento para o topo da escala, destruição da pequena agricultura e
urbanização, privatizações e especialização de cada economia no sector
exportador, com consequências sociais devastadoras no empobrecimento e
desemprego para parte importante da população.
Mais recentemente, esta
competência técnica foi usada para desenhar os programas para a Grécia,
Irlanda e Portugal, e o resultado foi do mesmo tipo, recessão e
destruição. Mas nem num caso nem noutro, no “Terceiro Mundo” ou na
Europa, nunca os dirigentes do FMI mostraram alguma vulnerabilidade em
relação aos efeitos da sua política. Até aos dias de hoje.
O problema para o FMI é que o efeito destas estratégias sobre o
conjunto da economia foi totalmente insatisfatório. Não só as
desempregadas e os desempregados perderam (por razões óbvias), como
perdeu quem está a trabalhar (redução de salários e precarização dos
contratos) ou na reforma (redução das pensões), todos afectados ainda
por aumentos de impostos. E a economia perdeu capacidade de expansão, ou
seja, o processo de acumulação ficou prejudicado. Pior ainda, há
escassas alternativas de política económica que possam compensar uma
nova crise financeira ou uma nova recessão, porque os juros estão
próximos de zero. Enfim, um colossal fracasso.
Alguns dos dirigentes do FMI parecem por isso ter percebido agora o
buraco em que se meteram (e, pior, o que cavaram para as suas vítimas), e
choram lágrimas amargas. Um director, Carlo Cottarelli, que é responsável por Portugal, aparece a criticar a dureza do FMI contra os países periféricos. Outro director, Nogueira Baptista, vai ainda mais longe: está tudo errado. Vítor Gaspar,
que agora dirige o gabinete de estudos do FMI, apela ao aumento do
investimento público, o que precisamente foi interdito pelos programas
de ajustamento que apoiou. Ninguém se entende no Fundo?, pergunta um jornal nacional.
Não é difícil concluir que estas palavras e boas intenções têm por
ora pouco impacto. Quanto o Fundo está a conduzir uma política concreta
num programa para um país, estes protestos de generosidade social são
evidentemente ignorados. O caso da Grécia tem sido o mais exuberante:
Poul Thomsen, o chefe da operação, foi já apanhado a ameaçar sair do resgate, para assim pressionar o governo alemão, como depois foi apanhado a propor que fosse provocada a bancarrota, para acelerar a aceitação das suas propostas. Tudo gente fina.
No meio dos arrependimentos e das malandrices, chega agora a vez do
susto. Durante a recente conferência para apresentação das previsões da
instituição para 2016, Maurice Obstfeld, o economista-chefe, reconheceu
que já temos crescimento muito débil desde há demasiado tempo e que esse
resultado está ligado a baixos salários, além de criar a ideia de que
elite económica é que beneficiou do tempo da austeridade (“Press Conference on the Release of the April 2016 World Economic Outlook“, 12 de abril de 2016; um estudo do FMI considerava mesmo que uma das causas da recessão é o aumento da desigualdade nos últimos anos). O Boletim do FMI, do dia seguinte, vai mais longe e reconhece uma deterioração da dívida pública, de novo (“Faire face à une nouvelle réalité“, Boletim do FMI, 13 de abril de 2016). Não saímos da cepa torta.
O FMI sugere uma solução: aumentar o investimento em infraestruturas,
sobretudo o investimento público, ou seja, expandir os orçamentos( “Is it time for an infrastructure push? The macroeconomic effects of public investment“,
FMI, World Economic Outlook, capítulo 3, outubro 2014). Por outras
palavras, fazer exactamente o contrário do que tem vindo a propor ou a
impor aos vários países.
Será suficiente? Depende. William White, da OCDE, avisa que a próxima
crise pode ser pior do que a de 2007 (podemos ter bacarrotas “épicas”,
diz ele, em “World faces wave of epic debt defaults“). Talvez tudo resulte de ter sido fácil demais: lucros exagerados, sugere o The Economist, e especulação sem freio.
Era exactamente o que o FMI preconizava: libertem os capitais de
regulamentos e restrições, soltem o monstro e teremos prosperidade. O
resultado é o que está à vista e o FMI assusta-se com a sua criatura.
por Francisco Louçã no jornal Público