Um homem rico, não sei se muito ou pouco, nem
importa, durante um jantar em Moscovo tratou de me explicar a origem de
tantos súbitos milionários na Rússia.
Após
o colapso da economia soviética, o poder político de então, sobretudo
com Yeltsin, achou que era necessário criar uma nova economia assente no
mercado e na livre iniciativa. Sucede que não existiam empresários, nem
capital, muito menos famílias abastadas, grandes industriais,
investidores, ou seja, aquilo de que se faz o nosso mundo capitalista.
Não existiam, tiveram de ser fabricados. Como? Privatizando praticamente
tudo, a preços extremamente baixos e, frequentemente, simplesmente
oferecendo fábricas e recursos. A quem? Maioritariamente a amigos e
membros do próprio aparelho de Estado.
Este processo não foi realizado sem percalços. Com a ascensão de
Putin, alguns dos chamados oligarcas foram eliminados, enquanto outros
surgiram e continuam a surgir.
O meu interlocutor diz que isto são
histórias irrelevantes, que só interessam ao Ocidente para dizer mal da
Rússia. Para ele, o importante é que se tenha criado uma economia muito
dinâmica a partir do nada, beneficiando extraordinariamente uns poucos,
mas arrastando a maioria para uma vida melhor.
Para este homem, os ricos
são o motor de qualquer economia. Mesmo quando são estúpidos e gastam o
dinheiro em futilidades.
Recentemente um amigo angolano disse-me praticamente o mesmo
referindo o caso de Angola. Com uma justificação um pouco mais
elaborada. A fabricação de ricos em Angola visou proteger a economia do
país do controlo estrangeiro. Sem ricos, as principais empresas e
recursos seriam capturados por investidores de outros países. Pode ser
chocante assistir à acumulação de riqueza por um lado enquanto a miséria
cresce pelo outro, mas se fossem todos pobres estariam nas mãos de
novos colonos.
Recorde-se ainda que nos anos 1980 o próprio Mário Soares convenceu
Ricardo Salgado, Sousa Cintra e outros a voltarem a investir em
Portugal. Ajudando, por exemplo, Salgado a recuperar o BES. Mário Soares
considerava então que o país saído de uma revolução e subsequentes
nacionalizações precisava de capitalistas ou seria tomado por interesses
estrangeiros. O que aliás acabou por acontecer, diga-se de passagem.
Enfim, são argumentos interessantes dignos de registo. Assentes na
ideia de que as sociedades beneficiam com a existência dos muito ricos,
sejam eles das velhas famílias ou fabricados à pressa tipo fast-food ou
prêt-à-porter. Não temos maneira de testar a eficiência de um sistema
não baseado na riqueza individual já que as experiências socialistas e
comunistas resultaram na concentração do poder económico e não na sua
distribuição, ou seja, aquilo que se chamou capitalismo de Estado.
Podemos contudo perceber que o sistema atual não funciona tão bem como
alguns pretendem, pois gera enormes desigualdades e muita miséria.
Um bilionário russo, dado à filantropia e apreciador de arte, diz dos
seus "colegas": "Eles não leem livros. Dizem que não têm tempo. Não
visitam exposições. Acham que a única maneira de impressionar alguém é
comprar um iate. Não se interessam pela justiça social." É sobretudo
duvidoso que os novos-ricos tenham alguma consciência social ou
ambiental nos seus investimentos e atividades. Já para não falar da
influência negativa que exercem a nível dos comportamentos e do gosto,
empurrando a cultura para a mediocridade e a estupidez.
Como dizem os ingleses: são precisas três gerações para fazer um Senhor.
Leonel Moura no Jornal de Negócios