Numerosos comissários europeus servem igualmente os interesses de grupos industriais e financeiros, o que põe em causa a sua imparcialidade no debate público, acusa a ONG Corporate Europe Observatory (CEO).
Viviane Reding, antiga comissária e actualmente eurodeputada, terá ocupado diversos cargos em diversas multinacionais. Pode servir-se o interesse público enquanto se defendem interesses privados?
Esta questão foi muitas vezes colocada em Bruxelas, por serem tão poderosos os lobbies e tão numerosos os conflitos de interesses. Ultimamente, a ONG Corporate Europe Observatory (CEO) identificou o conjunto de conflitos de interesses que subsistem na Comissão Europeia. Os resultados são edificantes.
Qual é o problema?
O problema principal que se salienta na actual situação em Bruxelas é a falta de imparcialidade dos comissários europeus. Com efeito, estes são responsáveis pela iniciativa, negociação e votação de leis que afectam o quotidiano de 500 milhões de cidadãos, em âmbitos tão essenciais como o clima, a agricultura, a alimentação, as finanças, etc… O seu papel está longe de ser negligenciável.
No entanto, paralelamente, muitos deles ocupam cargos em grandes grupos financeiros ou industriais, em domínios em que lhes compete o enquadramento legislativo. Pagos por esses grupos, torna-se difícil aos comissários europeus legislar contra os seus interesses.
Esta utilização de personalidades políticas pelas empresas privadas surge descrita no conceito “revolving doors” (“portas giratórias”) que dá a imagem da porosidade que existe entre os dois meios.
A existência de conflitos de interesses é desde há muito denunciada por associações de cidadãos e por alguns políticos mas, bem longe de diminuir, parece pelo contrário acentuar-se. De acordo com a “CEO”, as tentativas de empresas e de grupos de pressão para influenciar os políticos da União Europeia têm sido mais eficazes que nunca nestes últimos anos, sob a Comissão Barroso II.
Quem está implicado?
Os números são esmagadores: um terço dos antigos comissários assumiram cargos em grandes empresas privadas relacionadas com sectores próximos das suas atribuições políticas. Ainda por cima acumulando cargos, num total de 98 funções (ou seja, uma média superior a 10 funções por pessoa).
37 dessas transferências foram objecto de exame por parte do Comité de Ética, mas nenhuma foi impedida. Segundo a “CEO”, nove deles não deveriam ter sido autorizados, pois representavam conflitos de interesse directos.
Entre os Comissários Europeus implicados, estão:
Viviane Reding (Luxemburgo) foi comissária da educação, cultura, multilinguismo e juventude, depois da informação e dos “media” e, por fim, da justiça, dos direitos fundamentais e da cidadania. É actualmente eurodeputada. Paralelamente, terá ocupado um cargo na Agfa Gevaert, uma multinacional de imagiologia médica, outro cargo na companhia mineira Nyrstar e ainda um cargo na fundação Bertelsmann, uma das maiores empresas mediáticas do mundo.
Karel de Gucht (Bélgica) foi o antigo comissário europeu do comércio e negociador do Tratado Trans-Atlântico. Paralelamente, detinha um cargo na Merit Capital, uma empresa de gestão de património.
Neelie Kroes (Holanda), antiga comissária da concorrência e depois da estabilidade financeira, seria assalariada do banco americano Merril Linch.
Janez Potocnik (Eslovénia) foi comissário do ambiente. No entanto, podemos encontrá-lo no seio do “Forum for the Future of Agriculture”, um lobby criado pela agroquímica Syngenta.
Quais são as consequências?
A consequência directa destes conflitos de interesses é a tomada de decisões políticas que, longe de servir o interesse dos europeus, só são votadas para dar vantagens aos industriais ou ao sector financeiro.
Recentemente, o caso Volkswagen demonstrou isso mesmo: o Financial Times informou a meio de Outubro que cartas de responsáveis da União Europeia atestavam fraude nos testes anti-poluição desde 2013. No entanto, foi necessário que o escândalo rebentasse nos Estados Unidos para que a Europa reagisse.
Pior, o Parlamento acaba de votar contra uma comissão de inquérito sobre o assunto, e a União Europeia acaba de abrandar a legislação sobre as normas de poluição com diesel.
Outro assunto, outro problema: os perturbadores endócrinos (substâncias químicas que desregulam o funcionamento das glândulas). O “L’Obs” revelou há dias a 11ª pesquisa sobre a omnipresença dessas substâncias químicas tóxicas no organismo das nossas crianças. No entanto, mais uma vez, as discussões enleiam-se em Bruxelas sem que nenhuma medida concreta (que seria prejudicial aos industriais) tenha sido tomada.
Como remediar?
Diversas associações exigiram já o endurecimento dos acessos a funções dos comissários europeus. No seu último relatório, a “CEO” reitera as suas exigências:
Interditar a todos os antigos comissários que assumam uma nova função que possa criar um conflito de interesses com o seu anterior mandato, durante três anos a contar da sua saída.
Proibir aos antigos comissários de praticar lobbying, directa ou indirectamente.
Obrigar os comissários a declarar todos os novos cargos que ocupem, quer sejam remunerados ou não.
Afixar de forma pública e totalmente transparente todas essas declarações, através de um site na internet a tal dedicado.
Substituir o Comité de Ética, interno da Comissão, por um comité externo e independente.
Fazer aplicar as regras já existentes quanto a “portas giratórias” ao presidente da Comissão, às quais actualmente está isento.
Traduzido do sudouest.fr pelo RiseUp Portugal