12/10/2015

Pagar mão de obra por um punhado de lentilhas de sobrevivência

Salário ou remuneração são aquelas palavras mágicas do fim do mês, ou da semana, de cujo pagamento depende a maioria das nossas existências ou sobrevivências; tão fundamentais, que sem a sua realização pontual, certa e geral, como que tudo se esboroa em carência e incerteza, e quiçá desespero e caos.
Mas para que uma renumeração o seja, no seu valor ou quantidade, existe um conjunto de condicionantes e motivos que justificam a sua existência e definição. De caracter nacional, social, económico e político. Agora nos últimos anos, tem ganho preponderância, outro factor que se procura impôr à quantificação e qualidade dos salários por conta doutrem: o critério internacional ou neoliberal. E este tem procurado sobrepor-se aos outros todos, se necessário ultrapassando os mais sagrados conceitos ligados à existência humana, como a justiça e a solidariedade.

Para o neoliberalismo, o salário não é mais, do que mais um factor de económico de produção de bens e serviços; e como tal deve ser tratado, quanto ao seu valor, como qualquer mercadoria ou matéria-prima, levando em conta apenas e somente, a lei da oferta e da procura. Qualquer profissão, seja ela qual for, deve estar sujeita a esta avaliação valorimétrica “natural”, levando em conta as necessidades do mercado global sobre o seu préstimo. Fronteiras, Estados, regulamentações, contratos colectivos, não são mais do que escolhos que se atravessam, e que desvirtuam a formação “real” e “profícua” do “justo” preço-hora que satisfaça a procura de uma qualquer profissão.
Assim, o ser humano, ou seja qualquer um que não pertença à elite deusificada daqueles que alcançaram, por nascimento, valor empresarial supremo ou pertença política de regime, a capacidade de possuir bens de capital, que proporcionem lucros evolutivamente crescentes, que os tornem todos os dias mais ricos e poderosos, deve submeter à lei universal da oferta e da procura, o seu labor. Ela sim definirá, o seu valor com toda a eficiência.
Claro que não estará em causa só o valor do salário, mas também a vertente da necessidade desse trabalho; dai a exigência da precaridade do trabalho, a qual deve ser estabelecida como lei universal, de modo a evitar escolhos à dispensabilidade. E incrivelmente existe gente, em que se incluem pessoas que do seu trabalho vivem, que dão o seu acordo total a este modo de ver, como justo e imprescindível.
Esquecem-se que as relações assalariadas são relações de dependência funcional, em que uma parte se sujeita e submete ao cumprimento de determinada tarefa, a maior das vezes procurando a sua sobrevivência, em relação a outra, que necessitando da primeira, tem um estatuto de preponderância e poder sobre ela. E esse ascendente, que pode ser relativamente reduzido numa relação microeconómica e pessoal, expande-se desmesuradamente numa relação macroeconómica e impessoal, como as que existem entre um individuo e uma grande multinacional globalista.
Estas forças dominantes do mercado sobrepõem-se se necessário aos poderes políticos, possuindo o poder quase absoluto de imporem o seu preço hora, sem considerações de caracter nacional, social ou económico, levando apenas em consideração apenas a sua fome suprema de lucro a todo o custo.
Daí a imposição aos Estados, os quais deveriam ser governados por elites que protegessem os seus cidadãos, que prescindam de vez e inequivocamente da protecção humana, social e económica dada aos seus povos; e que em vez disso lhes imponham as regras salariais e laborais ditadas pelo tal mercado. E essa chantagem, todos os dias é exercida sob a forma de ameaça, quando não de partida deliberada, para outros países e nações, que dada a sua inferioridade e dependência económica e financeira, não se importem de sujeitar os seus cidadãos à escravidão ignóbil e dependente de fornecer a sua força laboral ao tal preço de mercado, equiparado a um prato de lentilhas de sobrevivência. 
É desta austeridade, receita de pilula amarga, que os poderes troikianos nos têm forçado a engolir, não com o intuito de pouparmos para pagar as nossas dívidas, mas sim com a ideia de que as nossas exportações possam chegar ao mercado a preços mais propiciadores de mais-valias usurárias.