Salário
ou remuneração são aquelas palavras mágicas do fim do mês, ou da
semana, de cujo pagamento depende a maioria das nossas existências
ou sobrevivências; tão fundamentais, que sem a sua realização
pontual, certa e geral, como que tudo se esboroa em carência e
incerteza, e quiçá desespero e caos.
Mas
para que uma renumeração o seja, no seu valor ou quantidade, existe
um conjunto de condicionantes e motivos que justificam a sua
existência e definição. De caracter nacional, social, económico e
político. Agora nos últimos anos, tem ganho preponderância, outro
factor que se procura impôr à quantificação e qualidade dos
salários por conta doutrem: o critério internacional ou neoliberal.
E este tem procurado sobrepor-se aos outros todos, se necessário
ultrapassando os mais sagrados conceitos ligados à existência
humana, como a justiça e a solidariedade.
Para
o neoliberalismo, o salário não é mais, do que mais um factor de
económico de produção de bens e serviços; e como tal deve ser
tratado, quanto ao seu valor, como qualquer mercadoria ou
matéria-prima, levando em conta apenas e somente, a lei da oferta e
da procura. Qualquer profissão, seja ela qual for, deve estar
sujeita a esta avaliação valorimétrica “natural”, levando em
conta as necessidades do mercado global sobre o seu préstimo.
Fronteiras, Estados, regulamentações, contratos colectivos, não
são mais do que escolhos que se atravessam, e que desvirtuam a
formação “real” e “profícua” do “justo” preço-hora
que satisfaça a procura de uma qualquer profissão.
Assim,
o ser humano, ou seja qualquer um que não pertença à elite
deusificada daqueles que alcançaram, por nascimento, valor
empresarial supremo ou pertença política de regime, a capacidade de
possuir bens de capital, que proporcionem lucros evolutivamente
crescentes, que os tornem todos os dias mais ricos e poderosos, deve
submeter à lei universal da oferta e da procura, o seu labor. Ela
sim definirá, o seu valor com toda a eficiência.
Claro
que não estará em causa só o valor do salário, mas também a
vertente da necessidade desse trabalho; dai a exigência da
precaridade do trabalho, a qual deve ser estabelecida como lei
universal, de modo a evitar escolhos à dispensabilidade. E
incrivelmente existe gente, em que se incluem pessoas que do seu
trabalho vivem, que dão o seu acordo total a este modo de ver, como
justo e imprescindível.
Esquecem-se
que as relações assalariadas são relações de dependência
funcional, em que uma parte se sujeita e submete ao cumprimento de
determinada tarefa, a maior das vezes procurando a sua sobrevivência,
em relação a outra, que necessitando da primeira, tem um estatuto
de preponderância e poder sobre ela. E esse ascendente, que pode ser
relativamente reduzido numa relação microeconómica e pessoal,
expande-se desmesuradamente numa relação macroeconómica e
impessoal, como as que existem entre um individuo e uma grande
multinacional globalista.
Estas
forças dominantes do mercado sobrepõem-se se necessário aos
poderes políticos, possuindo o poder quase absoluto de imporem o seu
preço hora, sem considerações de caracter nacional, social ou
económico, levando apenas em consideração apenas a sua fome
suprema de lucro a todo o custo.
Daí
a imposição aos Estados, os quais deveriam ser governados por
elites que protegessem os seus cidadãos, que prescindam de vez e
inequivocamente da protecção humana, social e económica dada aos
seus povos; e que em vez disso lhes imponham as regras salariais e
laborais ditadas pelo tal mercado. E essa chantagem, todos os dias é
exercida sob a forma de ameaça, quando não de partida deliberada,
para outros países e nações, que dada a sua inferioridade e
dependência económica e financeira, não se importem de sujeitar os
seus cidadãos à escravidão ignóbil e dependente de fornecer a sua
força laboral ao tal preço de mercado, equiparado a um prato de
lentilhas de sobrevivência.
É
desta austeridade, receita de pilula amarga, que os poderes
troikianos nos têm forçado a engolir, não com o intuito de
pouparmos para pagar as nossas dívidas, mas sim com a ideia de que
as nossas exportações possam chegar ao mercado a preços mais
propiciadores de mais-valias usurárias.
por Octavio Serrano para o RiseUp Portugal