17/05/2016

A Criminalização do Pensamento

Pensar traz consequências. O seu exercício não tem sido uma capacidade bem vista. Hoje está em perigo de extinção. É significativo que entre os crimes contra a humanidade figure a perseguição ideológica e política.  

Desde o castigo bíblico até aos nossos dias, a acção de pensar é castigada. Duas esferas da realidade política são as mais afectadas: a educação e o jornalismo. 

Em ambas os seus representantes são objecto da ira do poder institucional e da violência. As universidades, em tempos de ditaduras militares ou cívico-militares, sofrem as consequências da criminalização do pensamento. Professores e educadores são perseguidos e assassinados. 

Durante a segunda república em Espanha expulsaram milhares das aulas do magistério e que dizer do México actual. Quanto ao jornalismo mata-se directamente o mensageiro. 

O estudo mais recente da Federação Latino-Americana de Jornalistas destaca que só no México, durante o ano de 2015, foram vitimados 14 informadores. A lista é longa. Honduras apresentou 10 casos, Brasil 8, Colômbia 5 e Guatemala 3. Ao mesmo tempo a Federação Internacional de Jornalistas assinala que de 1990 a 2015 foram contabilizados 2297 assassinatos de jornalistas, nessa lista volta a destacar-se o México com 120 casos, Rússia com 109 e o Brasil com 62.

Todos os dias tomamos conhecimento pelos meios de informação das arbitrariedades do poder político na hora de criminalizar qualquer opinião discordante, sobretudo se nela houver críticas à ordem social ou à violação dos direitos humanos e às forças armadas ou corpos de segurança do estado. Basta que a
polícia emita informações atribuindo a organizações, pessoas ou movimentos sociais acusando-os de propagar ideologias dissolventes para que os seus dirigentes sejam detidos, investigados e feitos prisioneiros. No entanto qualquer um pode fazer um falso testemunho e ganhar credibilidade quando a acusação diz respeito ao pensamento e ideias.


Se nos séculos XIX e XX o apodo de terrorista recaiu nos movimentos anarquistas e anarco-sindicalistas, estendendo-se a socialistas e comunistas, em pleno século XXI romperam-se as ditas barreiras ideológicas. Já não assistiremos a uma montagem judicial para justificar a perseguição ideológica. Não é preciso encobrir o motivo. Abertamente imputa-se ao politicamente incorrecto a condição de anti-sistema. Basta recordar o recente caso do cómico alemão Jan Böhmermann, acusado de injúrias pelo presidente turco Recep Erdogan, por ter escrito um poema satírico. O pior nem é a acusação, mas sim o consentimento de Angela Merkel, chanceler alemã, em facilitar a abertura de um processo judicial por injúrias. Na perseguição do pensamento não há fronteiras. Numa sociedade de cegos o zarolho não é o rei, está na prisão.   

Na sociedade ocidental, democrática e civilizada criminaliza-se a crítica e o pensamento titula-se de subversivo e anti-sistema. Adjectivos que predispõem ao uso da violência e da razão do Estado para a sua repressão. Na Colômbia a Escola Nacional Sindical entregou um estudo detalhado a congressistas estado-unidenses sublinhando que entre 7 de Abril de 2011 e 31 de Março de 2015 tinham perdido a vida em atentados 105 militantes de diversos sindicatos. Já a Confederação Sindical Internacional no seu relatório anual sobre os direitos sindicais no mundo, denuncia que foram assassinados 101 trabalhadores por exercer actividades sindicais. Desses 101 assassinatos quase metade, 48, registaram-se na Colômbia, 16 na Guatemala, 12 nas Honduras, 6 no México, 6 no Bangladesh, 4 no Brasil, 3 na República Dominicana, 3 nas Filipinas, um na Índia, um no Iraque e outro na Nigéria. Esse texto não leva em consideração as ameaças nem as várias tentativas falhadas de execuções.

O medo e a violência, assim como a auto-censura apoderam-se daqueles que têm opiniões contrárias ao poder dominante. Desde o atentado às torres gémeas, em 11 de Setembro de 2001, que o fantasma do terrorismo se converteu em desculpa para controlar a crítica política e o exercício da liberdade de expressão. Todo o tipo de acções e pensamentos são postos no saco do terrorismo. A fasquia com  que se mede está abaixo dos mínimos. Quanto mais democracia e liberdades se dizem reconhecer, mais se reprime a faculdade de pensar. Já não se distingue entre pensamento crítico e terrorismo, o poder não os distingue e pior que isso, não quer exercer essa mesma diferença.

A teoria crítica e a reflexão têm sido desprestigiadas, a sua prática condenada e são consideradas uma ameaça. O poder político considera-se proprietário das formas de pensar e actuar. Aqueles que praticam essa nobre actividade de pensar em contra-corrente, militantes políticos, sindicalistas, desportistas, cientistas, jornalistas, escritores, actores, artistas plásticos, grupos musicais, etc ... são objecto de escárnio e pressões de todo o tipo, existe uma guerra declarada ao pensamento em todas as dimensões da vida social.

O exercício crítico de pensar subverte a ordem e questiona o status quo. Pessoas e meios que o questionem são atacados pelo poder. As medidas aplicadas vão desde a censura ao fecho de jornais e todos os meios de imprensa, programas de rádio e televisão. Tudo serve e é bem-vindo desde que se calem as vozes discordantes. Hoje os serviços de inteligência e todo o aparelho de segurança do estado realizam buscas de inconformados, vigiam o correio electrónico, telefones móveis, gravam aulas nas escolas, restaurantes, ruas e centros comerciais. Nenhum espaço público está livre de vigilância. O pensamento livre e crítico deve ser controlado e de rédea curta. 

Aqueles que se atrevem a denunciá-lo tornam-se objectivos militares e políticos, veja-se o caso de Julian Assange, fundador de Wikileaks, que está exilado na embaixada da República do Equador no Reino Unido desde 19 de Junho de 2012 por medo de ser extraditado para os Estados Unidos sob falsas acusações de violação. Outro exemplo é o de Edward Snowden, ex-funcionário da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos, que tornou públicos os programas de vigilância em massa à escala mundial usados pela NSA e CIA. Perseguido e acusado criminalmente está exilado na Rússia, onde reside actualmente A sua vida continua em perigo.

As guerras do século XXI ampliam o espectro dos genocídios da civilização. Tecnologias de morte, drones e armamento de última geração são utilizados para calar vozes e impor valores imperialistas. Pensar converteu-se no seu delito, o seu exercício foi criminalizado e os seus defensores condenados.

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