Pensar traz consequências. O seu
exercício não tem sido uma capacidade bem vista. Hoje está em perigo de
extinção. É significativo que entre os crimes contra a humanidade figure a
perseguição ideológica e política.
Desde o castigo bíblico até aos nossos
dias, a acção de pensar é castigada. Duas esferas da realidade política são as
mais afectadas: a educação e o jornalismo.
Em ambas os seus representantes são
objecto da ira do poder institucional e da violência. As universidades, em
tempos de ditaduras militares ou cívico-militares, sofrem as consequências da
criminalização do pensamento. Professores e educadores são perseguidos e
assassinados.
Durante a segunda república em Espanha expulsaram milhares das
aulas do magistério e que dizer do México actual. Quanto ao jornalismo mata-se
directamente o mensageiro.
O estudo mais recente da Federação Latino-Americana
de Jornalistas destaca que só no México, durante o ano de 2015, foram vitimados 14
informadores. A lista é longa. Honduras apresentou 10
casos, Brasil 8, Colômbia 5 e Guatemala 3. Ao mesmo tempo a Federação
Internacional de Jornalistas assinala que de 1990 a 2015 foram contabilizados
2297 assassinatos de jornalistas, nessa lista volta a destacar-se o México com
120 casos, Rússia com 109 e o Brasil com 62.
Todos os dias tomamos conhecimento pelos meios de informação das arbitrariedades do poder político na hora de criminalizar qualquer opinião discordante, sobretudo se nela houver críticas à ordem social ou à violação dos direitos humanos e às forças armadas ou corpos de segurança do estado. Basta que a polícia emita informações atribuindo a organizações, pessoas ou movimentos sociais acusando-os de propagar ideologias dissolventes para que os seus dirigentes sejam detidos, investigados e feitos prisioneiros. No entanto qualquer um pode fazer um falso testemunho e ganhar credibilidade quando a acusação diz respeito ao pensamento e ideias.
Se nos séculos XIX e XX o apodo de
terrorista recaiu nos movimentos anarquistas e anarco-sindicalistas, estendendo-se
a socialistas e comunistas, em pleno século XXI romperam-se as ditas barreiras ideológicas.
Já não assistiremos a uma montagem judicial para justificar a perseguição
ideológica. Não é preciso encobrir o motivo. Abertamente imputa-se ao
politicamente incorrecto a condição de anti-sistema. Basta recordar o recente
caso do cómico alemão Jan Böhmermann, acusado de injúrias pelo presidente turco
Recep Erdogan, por ter escrito um poema satírico. O pior nem é a acusação, mas
sim o consentimento de Angela Merkel, chanceler alemã, em facilitar a abertura
de um processo judicial por injúrias. Na perseguição do pensamento não há
fronteiras. Numa sociedade de cegos o zarolho não é o rei, está na prisão.
Na sociedade ocidental, democrática e
civilizada criminaliza-se a crítica e o pensamento titula-se de subversivo e
anti-sistema. Adjectivos que predispõem ao uso da violência e da razão do
Estado para a sua repressão. Na Colômbia a Escola Nacional Sindical entregou um
estudo detalhado a congressistas estado-unidenses sublinhando que entre 7 de
Abril de 2011 e 31 de Março de 2015 tinham perdido a vida em atentados 105
militantes de diversos sindicatos. Já a Confederação Sindical Internacional no
seu relatório anual sobre os direitos sindicais no mundo, denuncia que foram
assassinados 101 trabalhadores por exercer actividades sindicais. Desses 101
assassinatos quase metade, 48, registaram-se na Colômbia, 16 na Guatemala, 12
nas Honduras, 6 no México, 6 no Bangladesh, 4 no Brasil, 3 na República Dominicana,
3 nas Filipinas, um na Índia, um no Iraque e outro na Nigéria. Esse texto não
leva em consideração as ameaças nem as várias tentativas falhadas de execuções.
O medo e a violência, assim como a
auto-censura apoderam-se daqueles que têm opiniões contrárias ao poder
dominante. Desde o atentado às torres gémeas, em 11 de Setembro de 2001, que o
fantasma do terrorismo se converteu em desculpa para controlar a crítica
política e o exercício da liberdade de expressão. Todo o tipo de acções e
pensamentos são postos no saco do terrorismo. A fasquia com que se mede está abaixo dos mínimos. Quanto
mais democracia e liberdades se dizem reconhecer, mais se reprime a faculdade
de pensar. Já não se distingue entre pensamento crítico e terrorismo, o poder
não os distingue e pior que isso, não quer exercer essa mesma diferença.
A teoria crítica e a reflexão têm sido desprestigiadas,
a sua prática condenada e são consideradas uma ameaça. O poder político
considera-se proprietário das formas de pensar e actuar. Aqueles que praticam
essa nobre actividade de pensar em contra-corrente, militantes políticos,
sindicalistas, desportistas, cientistas, jornalistas, escritores, actores,
artistas plásticos, grupos musicais, etc ... são objecto de escárnio e
pressões de todo o tipo, existe uma guerra declarada ao pensamento em todas as
dimensões da vida social.
O exercício crítico de pensar subverte
a ordem e questiona o status quo. Pessoas e meios que o questionem são atacados
pelo poder. As medidas aplicadas vão desde a censura ao fecho de jornais e
todos os meios de imprensa, programas de rádio e televisão. Tudo serve e é
bem-vindo desde que se calem as vozes discordantes. Hoje os serviços de inteligência e todo o aparelho de segurança do estado realizam buscas de
inconformados, vigiam o correio electrónico, telefones móveis, gravam aulas nas
escolas, restaurantes, ruas e centros comerciais. Nenhum espaço público está
livre de vigilância. O pensamento livre e crítico deve ser controlado e de
rédea curta.
Aqueles que se atrevem a denunciá-lo tornam-se objectivos
militares e políticos, veja-se o caso de Julian Assange, fundador de Wikileaks,
que está exilado na embaixada da República do Equador no Reino Unido desde 19
de Junho de 2012 por medo de ser extraditado para os Estados Unidos sob falsas
acusações de violação. Outro exemplo é o de Edward Snowden, ex-funcionário da Agência
Nacional de Segurança dos Estados Unidos, que tornou públicos os programas de
vigilância em massa à escala mundial usados pela NSA e CIA. Perseguido e
acusado criminalmente está exilado na Rússia, onde reside actualmente A sua
vida continua em perigo.
As guerras do século XXI ampliam o
espectro dos genocídios da civilização. Tecnologias de morte, drones e
armamento de última geração são utilizados para calar vozes e impor valores
imperialistas. Pensar converteu-se no seu delito, o seu exercício foi
criminalizado e os seus defensores condenados.
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