Este é uma artigo elaborado pela Plataforma Não ao TTIP, que reproduzimos aqui. Podem encontrar esta plataforma no seu excelente site neste link, e a sua página de facebook neste link. Neste momento a Plataforma está a pedir assinaturas uma petição que solicita o debate e decisão sobre a ratificação do CETA na Assembleia da República, que podem assinar neste link. Colaborem.

O Greenpeace Holanda divulgou esta Segunda feira alguns dos textos da última ronda de negociações da Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento entre Estados Unidos da América e União Europeia (TTIP, na sigla em inglês).

A negociação deste acordo abrange uma grande variedade de bens e serviços entre a maior economia nacional do mundo e maior mercado único do mundo, abrangendo serviços públicos, produtos agrícolas, têxteis,telecomunicações, propriedade intelectual, serviços financeiros, cooperação regulatória, entre outros temas.

As negociações sobre o acordo começaram em Julho de 2013 e a última ronda terminou dia 13, em Nova York.


O conjunto de documentos divulgados de fonte anónima perfaz 248 páginas, e contem informações substanciais sobre a posição europeia e, especialmente, sobre a posição negocial norte-americana, que se manteve secreta até agora pelo desejo expresso da administração de Barack Obama.

Com a divulgação destes textos confirmam-se as suspeitas da sociedade civil europeia. Os Estados Unidos pressionam nos bastidores com vista à diminuição dos níveis da regulamentação europeia.

Até esta semana os representantes eleitos apenas podiam consultar uma parte dos documentos de forma muito restrita , através da consulta sob guarda, numa sala segura, sem acesso a consulta a um especialista ou meios digitais, e sob proibição de discutir o conteúdo outros representantes.

 

Opacidade , falsos argumentos e expansão do modelo neoliberal

 

As duas grandes críticas da sociedade civil europeia ao TTIP têm sido a falta de transparência e as suspeitas de que o acordo possa causar uma redução dos padrões de regulamentação da União Europeia. Há dois anos e meio, no começo das negociações, a Europa e os EUA enfatizaram os benefícios económicos do acordo: aumento do PIB e dezenas de milhares de empregos. Perante a cada vez maior incerteza sobre esses benefícios , ambas as partes procuraram outra justificação para o TTIP : a possibilidade de que o TTIP permita às potências do Atlântico estabelecer os padrões regulatórios ao resto do mundo.

O documento divulgado escancara a posição norte-americana sobre o assunto, com alguns detalhes surpreendentes: a Comissão Europeia considera que o Governo Federal dos EUA é a única Administração relevante para estabelecer os padrões regulatórios; Washington estabelece como interlocutores tanto as instituições europeias – basicamente, a Comissão Europeia – como os Governos nacionais. O texto, além disso, lança um pouco mais de luz sobre as suspeitas da falta de transparência. Esses são alguns dos aspectos mais importantes:

1. A influência dos ‘lobbies’ corporativos.

 

No documento existem diversas referências a consultas com as grandes empresas e o associações patronais, até ao ponto de que em assuntos delicados como a agricultura e a
indústria química os negociadores chegam a admitir que não podem tomar uma decisão sem antes consultar a indústria.

Por parte da União Europeia , esta apresenta ofertas e contraofertas “baseadas na posição conjunta da indústria europeia e norte-americana” na negociação agrícola. As ONGs e os sindicatos denunciaram repetidamente que seu acesso aos negociadores é muito mais limitado[1].

Os documentos vazados indicam que a UE não foi honesta sobre o sobre o alto grau de influência da indústria. Num relatório recente da UE [2] apenas é feita uma menção menor de participação da indústria, ao passo que os documentos divulgados referem repetidamente a necessidade de novas consultas com a indústria.
Ademais, enquanto que documento público da UE[2] refere uma defesa robusta do direito da UE para regular e criar um sistema de resolução de litígios advenientes do TTIP , nota interna divulgado não menciona tais temas.

Os documentos, revelam ainda a criação de numerosos comités através do mecanismo de cooperação regulatória, formados por funcionários não eleitos , que em matéria de regulamentação podem condicionar o debate posterior, sobrepondo-se à legitimidade legislativa dos Parlamentos e Governos nacionais.
Segundo os documentos divulgados , as propostas dos EUA incluem a obrigação de a UE informar com antecedência a suas indústrias de quaisquer projecto de alteração de legislação.

2. O objetivo dos EUA: “corrida para o fundo”.

 

O maior valor dos documentos divulgados é que pela primeira é transparente a postura dos EUA em aspectos fundamentais do acordo. Washington quer acesso direto à tomada de decisões na Europa sobre os aspectos regulatórios: nos debates europeus sobre o processo de padronização em matéria de regulamentação existirão especialistas norte-americanos, “sem garantia de reciprocidade”: não há motivo para a existência de especialistas europeus nos debates ocorridos nos Estados Unidos.

Washington insiste seguidamente na confidencialidade no momento de dividir informação das empresas em todos os aspectos relativos aos produtos químicos. No geral, a UE tem padrões mais elevados em meio ambiente e proteção da saúde (mesmo que a regulamentação não seja sempre tão rígida, como o escândalo Volkswagen demonstrou): por exemplo, a Europa não permite as importações de carne norte-americana tratada com hormonas de crescimento , por possíveis ligações com o cancro e outras preocupações relacionadas à saúde. A UE também tem regras mais rígidas no sector químico, nos pesticidas e outros produtos como os organismos geneticamente modificados(OGM) . O departamento de Estado dos EUA considera essas regras sobre agricultura, pesticidas, produtos químicos e carne tratada com hormonas como “barreiras ao comércio”.

3. Diminuição da protecção do Ambiente.

 

Os documentos divulgados revelam uma redução na proteção do meio ambiente por ambas as partes, ignorando o recente Acordo de Paris para reduzir as emissões de CO2. Não consideram as exceções permitidas pela Organização Mundial de Comércio para que um país possa restringir as relações comerciais “para proteger a vida e a saúde de seres humanos, animais e plantas”, e para “conservar os recursos naturais”.

Em qualquer parte dos textos se menciona o princípio da precaução que prevê a prática europeia de análise prévia de todos os produtos e substâncias, sendo que em caso de dúvida, a sua autorização de utilização e comercialização é negada por se considerar prejudicial para o meio ambiente.

Constata-se um claro viés nas contribuições norte-americanas, sempre na direção da imposição de uma corrida descendente, em direcção á diminuição dos padrões legais de respeito dos direitos humanos e ambiente , apelando à dimunição da criação de novas regulamentações.

A União Europeia e os EUA dão diferentes tratamentos aos mesmos produtos. Como o glifosato, por exemplo. A entrada de pesticidas e herbicidas na UE está submetida à aprovação da Comissão Europeia. Em 13 de Abril, o Parlamento europeu propôs importantes restrições ao glifosato, um polémico herbicida que, apesar das dúvidas científicas, é defendido há anos pela Administração dos EUA.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera que esta substância possa ser cancerígeno.

4. Resolução de conflitos em tribunais das empresas.

 

O acordo pretende potencializar os negócios das empresas europeias do outro lado do Atlântico e vice-versa. Para solucionar possíveis litígios que as empresas de um lado possam encontrar com as autoridades do outro, o TTIP estabelece a criação de um mecanismo ad hoc , composto por três juristas que não terão de considerar decisões de casos anteriores. Uma forma de evitar os tribunais nacionais e pilhar fundos públicos que poderiam ser utilizados em saúde ou educação. Após oposição pública sobre o tema, Bruxelas propôs um mecanismo semelhante ao anterior com nova designação.

5. Resposta dos negociadores

 

O Departamento do Representante de Comércio dos EUA e da Comissária Europeia do Comércio, Cecilia Malmstrom procuraram rapidamente minimizar as percepções obtidas com esta divulgação argumentando que o TTIP não irá diminuir a protecção ambiental , os padrões de saúde e do consumidor.

Malmstrom num longo artigo no seu blog argumentou que “parece haver um grande número de equívocos” sobre o que os documentos revelam.

O presidente do comité de Comércio Internacional do Parlamento Europeu, Bernd Lange, disse em um comunicado que “o Parlamento Europeu não aceitará quaisquer compromissos desagradáveis que podem levar à redução de normas europeias – fim da discussão”.

6.Resposta da Plataforma Não ao Tratado Transatlântico

 

Perante a divulgação de parte dos documentos da negociação do TTIP a Plataforma Não ao Tratado Transatlântico , movimento activista português que desde 2014 refere o carácter nefasto deste tratado, a informação divulgada esta Segunda Feira “não surpreende” pois “desde o início das negociações que os textos de acesso restrito divulgados e as posições públicas dos negociadores e corporações envolvidas evidencição uma lógica neoliberal de sobreposição dos interesses corporativos sobre os interesses dos cidadãos e cidadãs europeus”.

Segundo a Plataforma, “os partidos com representação na Assembleia na República deveriam apelar à suspenção das negociações e pronunciar-se através de uma moção sobre o carácter nefasto desta tentativa de privatização da Vida.”

Acrescentam que “a par do TTIP, o acordo que está a ser negociado com o Canadá e UE (CETA) e que será votado ainda este ano, representa um primeiro teste, uma primeira tentativa de viabilizar este modelo, pelo que deve haver um debate público sobre o CETA e o TTIP”.

Para tal , foi lançada esta semana uma petição que visa levar este debate à Assembleia da República.

“O Parlamento, Governo , Municípios e Freguesias têm aqui uma oportunidade para se opor declarando-se “Zona Livre de TTIP e CETA. A economia social , consumo local e investimento em PMEs com relação com as comunidades são alternativas com provas dadas, existem alternativas a estes acordos!” , acrescentam.

[1] e.g. “While the US showed an interest, it hastened to point out that it would need to consult with its industry regarding some of the products” – Chapter ‘Tactical State of Play’, paragraph 1.1, Agriculture.

[2] ‘The Twelfth Round of Negotiations for the Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP)’ http://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2016/march/tradoc_154391.pdf