"O
“orçamento grego”, que tem sido acusado de arruinar todos os europeus,
só beneficiou de 5% "da ajuda". E sabemos o preço desses 5% ... Uma redução de um
quarto do PIB, uma administração reduzida em um terço, um Estado ainda
mais fracassado do que antes e nenhuma perspectiva de uma real
recuperação." (...) "Este valor significa que os empréstimos para a Grécia em 2010 visavam salvar os bancos franceses e alemães."
O Handelsblatt é o principal jornal de negócios na Alemanha. Como tal, e como a maior parte da imprensa conservadora alemã, teve, regularmente, uma língua afiada contra a Grécia, acusado-a de recusar as “reformas necessárias” e de exigir sempre novos fundos ao honesto e trabalhador contribuinte alemão.
Mas, na quarta-feira dia 4 de maio de 2016, o jornal publicou um “exclusivo”. Um estudo inédito segundo a ESMT (uma escola de gestão de Berlim), que chegou à conclusão de que 95% da suposta “ajuda” para a Grécia, voltou para os bancos e para os credores dos países do Mediterrâneo.
Nenhuma novidade
O “orçamento grego”, que tem sido acusado de arruinar todos os europeus, só beneficiou de 5% "da ajuda". E sabemos o preço desses 5% ... Uma redução de um quarto do PIB, uma administração reduzida em um terço, um Estado ainda mais fracassado do que antes e nenhuma perspectiva de uma real recuperação. Esta “Exclusividade” do Handelsblatt não não a é, obviamente. Estes números eram conhecidos e tinham sido publicados em Dezembro de 2014, pelo excelente site grego Macrópolis, que explicou tudo em detalhes. O argumento foi avançado regularmente pelos responsáveis do primeiro governo de Tsipras durante as negociações com os credores, no primeiro semestre de 2015 e justificava uma revisão completa das políticas da UE na Grécia. Mas, então, todos se riram destes números apresentados por um “governo de extrema esquerda” grego, que não tinha outra ambição, sustentavam, do que abusar dos contribuintes europeus para continuar na torpeza helénica do costume...
Os “especialistas” voltam atrás
Estranhamente, um ano depois, os argumentos então inéditos e inaceitáveis das autoridades gregas tornam-se "respeitáveis". Certamente que o jornal Handelsblatt precisa, para ficar plenamente convencido, de um estudo alemão, provando, desta forma, uma vez mais a auto-suficiência intelectual do mundo económico do outro lado do Rio Reno. Ainda assim, estes últimos dias, ouvimos mais e mais pedidos de reestruturação da dívida grega. Lembre-se de que há um ano, eram feitas visões simplistas do compromisso da França relativamente à Grécia, usando como imagem o número de franceses que deveriam passar um "cheque" em caso de incumprimento grego... Outros tempos, outras práticas. Mas isto prova que, uma vez mais, o ataque implacável dos médias e o comportamento asfixiador dos credores, no ano passado, que tinham por mira o governo de Tsipras, era nada mais, nada menos do que uma opção política. Isto foi necessário para silenciar uma força política que provava a inépcia da política europeia em relação à Grécia e foi feito em 13 de Julho de 2015. Portanto, os "especialistas", hoje, podem mudar de lado, como de costume, e a "razão" é hoje a loucura do passado...
As consequências
Não nos devemos contentar com os números apresentados pelo jornal Handelsblatt. Devemos entender as consequências. Este valor significa que os empréstimos para a Grécia em 2010 visavam salvar os bancos franceses e alemães. O custo desta ajuda encapotada foi transferida para os contribuintes europeus e para o povo grego. Este facto não é um julgamento do céu ou um golpe do destino, foi o resultado de uma escolha política. Um ano atrás, foi noticiado que o FMI tinha trabalhado no incumprimento grego de 2010. Este incumprimento não teria evitado a austeridade na Grécia, mas teria evitado a construção de um esquema de Ponzi que mergulhou o país num círculo diabólico. O responsável do FMI naquele momento, Dominique Strauss-Kahn, recusou-se a discutir o plano, perante a extensão dos custos para os bancos. Feita a escolha política de dar tempo aos bancos e cobrar o custo aos contribuintes europeus, tudo com o auxílio do BCE, com base no programa SMP (Security Markets Programme) de 2010 e 2011, permitiu aos restantes bancos comprar mais barato a dívida grega... Os únicos que pagaram foram os gregos. E mais uma vez, foi uma questão de escolha política.
O mito do Grego responsável
Portanto, para esconder o absurdo do sistema posto em prática, os líderes europeus encontraram o esquema perfeito: este esquema de Ponzi que acrescentou dívida para saldar a dívida seria sustentável se os gregos “fizessem reformas.” Um mito foi então construído: a falha do sistema foi devido à má vontade grega. Na verdade, esta falha tem por base o absurdo de um sistema que transfere o peso total do resgate dos bancos europeus nos próprios gregos, anexando metas absurdas, como o tão famoso superavit primário de 3% do PIB, que está igualmente ligado ao Eurogrupo. Os líderes europeus foram capazes de transmitir a responsabilidade pelo seu crime aos gregos: a vítima tornou-se a culpada.
Silenciar Alexis Tsipras
Após a chegada de Alexis Tsipras ao poder, em Janeiro de 2015, essa lógica foi desencadeada. Recusou-se discutir o problema de fundo para exigir garantias cada vez mais graves aos gregos, forçando-os a escolher entre manter-se na zona euro ou um novo programa de austeridade mais pesado. Actualmente, encontramo-nos neste ponto, pois estamos a pedir “reformas automáticas” aos gregos para garantir os seus compromissos. Isso explica por que era e é necessário o silêncio do Governo grego, inventando um monte de calúnias e crimes premeditados. Ao reconhecer a justiça do voto do povo grego e dos argumentos de Syriza, reconhecia-se o erro europeu e, principalmente, de Angela Merkel, de Schäuble e de Jean-Claude Trichet, os principais arquictetos do “plano de resgate.”
Assumir a responsabilidade
Mas esta responsabilidade não é moral. A estratégia do resgate dos bancos à custa do povo grego tem consequências muito reais. Coloca os países europeus que fizeram esta escolha, ou seja, todos os que pertencem à zona euro, perante a necessidade de assumir os seus erros e, assim, responsabilizar os seus contribuintes na participação deste esquema Ponzi criado para salvar seus bancos. Assumir a sua responsabilidade é, logicamente, aceitar uma redução da dívida grega. É este o preço dos erros praticados por parte dos líderes eleitos das nações da zona euro. É também, finalmente, tentar implementar uma verdadeira política de cooperação e de reconstrução da economia grega, em vez de uma política de conflito com as autoridades gregas. Estamos longe disso.
Será populismo?
A tomada de consciência por parte do jornal Handelsblatt é bem-vinda. Mas a realidade continua difícil: o Eurogrupo ainda tenta pôr de joelhos a economia grega. A Alemanha e a França recusam a responsabilizar-se e reduzir a dívida grega. Os líderes desses países que sempre acusaram os gregos de populismo e falta de seriedade, revelam as suas verdadeiras faces: recusam aceitar as suas falhas perante os seus povos. Não há dúvida de que o populismo mais preocupante é aquele que acredita que os três resgates serão sustentáveis e indolores para as populações, é aquele que faz de um povo europeu o bode expiatório, e finalmente aquele que brinca com o futuro da Europa para a sua própria popularidade. A direcção da zona euro quanto à questão grega continua a ser o mais absurdo. Saliente-se que os números apresentados pelo jornal económico Handelsblatt são insusceptíveis de mudar alguma coisa, quando nos lembramos que no ano passado, a imprensa conservadora alemã apresentou um espectáculo de preconceitos dos mais angustiantes sobre o povo grego. Decididamente, a questão grega está longe de estar resolvida.
Não, a Grécia não recebeu a ajuda à Grécia, por Romaric Godin,
Traduzido do francês para o RiseUp Portugal por Cristina Cidade.
(Crédito: Reuters)
Traduzido do francês para o RiseUp Portugal por Cristina Cidade.
(Crédito: Reuters)