22/11/2015

A impossibilidade de os cidadãos convocarem referendos


Caro leitor, saberás a que comparo a aventura de um grupo de cidadãos, decidir propor a referendo determinada questão ou iniciativa legislativa? A uma missão impossível, pois a obstaculização do sistema, é tão perversa, que faz desanimar o mais decidido. 
E o que afirmo, é patente pelo facto de até hoje, não ter sido possível realizar, um que fosse, referendo convocado por cidadãos, apesar das várias tentativas.
E o artº 16 da Lei Orgânica do Regime do Referendo, até é prometedor.
“O referendo pode resultar de iniciativa dirigida à Assembleia da República por cidadãos eleitores portugueses, em número não inferior a 75 000, regularmente recenseados no território nacional,… “

Recolhe-se a assinatura e número do cartão de cidadão de setenta e cinco mil portugueses, e já está. Estará? É aqui que surge o primeiro grande obstáculo: não é fácil arranjar-se tanta assinatura. Então para um grupo de cidadãos independentes, é tarefa hercúlea, senão impossível. Só a uma organização, com um bom nível de influência social e capacidade mobilizadora e económica, tal será acessível. Logo o primeiro obstáculo, imposto pelo sistema será este, com toda a sua perversidade.
O segundo obstáculo, que não há perna suficientemente grande que consiga ultrapassar, é a chamada tramitação, processo administrativo e politico, imposto pela Assembleia da Republica, que com as suas engrenagens, não tramita, mas trama qualquer proposta legislativa que se atreva a entrar pelo Palácio de S. Bento dentro.
O Presidente do hemiciclo, entrega o processo a uma comissão parlamentar, para que se pronuncie; com o parecer recebido o Presidente, admite ou rejeita a proposta referendária; se admitida, volta á comissão, que ausculta os mandatários cidadãos acerca da proposta sobre aspectos técnicos e políticos da mesma; então a comissão elabora o projecto de resolução, e envia para o Presidente da AR para agendamento; só então, numa das dez Assembleias plenárias seguintes, a proposta vai à apreciação e votação, feitas pelos deputados.
Neste processo interno, a rejeição espreita continuamente a proposta; o próprio sistema é contrário, a iniciativas cidadãs; procura desde logo senão rejeitá-las, pelo menos adaptá-las às exigências políticas dominantes; e depois começa o jogo do empurra, das politicas de interesses, a quem só interessa o que determinantemente lhes serve. E uma iniciativa cidadã, não lhes interessa de modo algum; por motivos como a própria origem externa ao sistema montado, ou o simples facto de não ter origem nas fileiras do sector do partido do poder.
Queriam, não basta aturar a oposição das minorias parlamentares, quanto mais iniciativas populares, sejam elas quais forem. Logo apreciação….votação….não aprovação….arquivo. Para que sirva de exemplo, a outros atrevidos.
Mas imagine-se, que um raio de sol especial, iluminou a cabeça de suas excelências, os nossos representantes, limpando-lhes do cérebro, todos os preconceitos por preconceituar, e todas as objecções por objectar, e votaram favoravelmente a resolução. Tal nunca visto.
A “batata quente”, passa então para sua excelência o Presidente da Republica, que envia a proposta já aprovada no hemiciclo, para o Tribunal Constitucional examinar à lupa; estará o texto, como corpo jurídico, em contradição com a Constituição da Republica? E não é preciso muito, para entrar em contradição com a dita. Logo, colocar-se-á a questão da inconstitucionalidade ser ou não sanável. Se o for, voltará ao plenário dos nossos deputados, esperando que o raio de sol especial, esteja lá naquele dia; senão todas as esperanças caem perta da meta. E paciência.
Imagine-se, se por um bambúrrio de sorte, género Euro-Milhões, a tal proposta legislativa consegue ultrapassar todas as paredes; mesmo que profundamente alterada no seu conteúdo, e mesmo na sua essência, por todas as comissões, discussões, regulamentos e constituições; irá a votação nacional, a sobrevivente. Optimo, esse era o grande objectivo.
Últimos e grandes obstáculos. Convencer os eleitores de duas coisas. Uma, que se a proposta for justa e sirva o país, deve ser votada favoravelmente; Outra muito mais difícil de conseguir, que os eleitores compareçam em mais de 50% às urnas; o cansaço das pessoas, em relação ao sistema político em que vegetamos, tende para que as pessoas se sintam desmotivadas para participar civicamente.
É que mesmo votado favoravelmente, o assunto em referendo, caso a participação referendária seja inferior a 50%, a decisão positiva não é vinculativa. E não sendo tal, porque é que há-de ser adoptada como lei do país? Cinicamente, conclui o sistema.
E o escandaloso, é que se considera vencedor, representativo e idóneo um governo, que sai de eleições legislativas, em que o partido vencedor não teve mais de 10% de votantes do universo dos eleitores. E no entanto não é vinculativo, o resultado positivo de um referendo, em que votaram 49% dos cidadãos. Brade-se, perante a ignomínia.
Caro leitor, não te apetece derrubar de algum modo estas paredes?