Caro
leitor, saberás a que comparo a aventura de um grupo de cidadãos,
decidir propor a referendo determinada questão ou iniciativa
legislativa? A uma missão impossível, pois a obstaculização do
sistema, é tão perversa, que faz desanimar o mais decidido.
E o que
afirmo, é patente pelo facto de até hoje, não ter sido possível
realizar, um que fosse, referendo convocado por cidadãos, apesar das
várias tentativas.
E
o artº 16 da Lei Orgânica do Regime do Referendo, até é
prometedor.
“O
referendo pode resultar de iniciativa dirigida à Assembleia da
República por cidadãos eleitores portugueses, em número não
inferior a 75 000, regularmente recenseados no território nacional,…
“
Recolhe-se
a assinatura e número do cartão de cidadão de setenta e cinco mil
portugueses, e já está. Estará? É aqui que surge o primeiro
grande obstáculo: não é fácil arranjar-se tanta assinatura. Então
para um grupo de cidadãos independentes, é tarefa hercúlea, senão
impossível. Só a uma organização, com um bom nível de influência
social e capacidade mobilizadora e económica, tal será acessível.
Logo o primeiro obstáculo, imposto pelo sistema será este, com toda
a sua perversidade.
O
segundo obstáculo, que não há perna suficientemente grande que
consiga ultrapassar, é a chamada tramitação, processo
administrativo e politico, imposto pela Assembleia da Republica, que
com as suas engrenagens, não tramita, mas trama qualquer proposta
legislativa que se atreva a entrar pelo Palácio de S. Bento dentro.
O
Presidente do hemiciclo, entrega o processo a uma comissão
parlamentar, para que se pronuncie; com o parecer recebido o
Presidente, admite ou rejeita a proposta referendária; se admitida,
volta á comissão, que ausculta os mandatários cidadãos acerca da
proposta sobre aspectos técnicos e políticos da mesma; então a
comissão elabora o projecto de resolução, e envia para o
Presidente da AR para agendamento; só então, numa das dez
Assembleias plenárias seguintes, a proposta vai à apreciação e
votação, feitas pelos deputados.
Neste
processo interno, a rejeição espreita continuamente a proposta; o
próprio sistema é contrário, a iniciativas cidadãs; procura desde
logo senão rejeitá-las, pelo menos adaptá-las às exigências
políticas dominantes; e depois começa o jogo do empurra, das
politicas de interesses, a quem só interessa o que determinantemente
lhes serve. E uma iniciativa cidadã, não lhes interessa de modo
algum; por motivos como a própria origem externa ao sistema montado,
ou o simples facto de não ter origem nas fileiras do sector do
partido do poder.
Queriam,
não basta aturar a oposição das minorias parlamentares, quanto
mais iniciativas populares, sejam elas quais forem. Logo
apreciação….votação….não aprovação….arquivo. Para que
sirva de exemplo, a outros atrevidos.
Mas
imagine-se, que um raio de sol especial, iluminou a cabeça de suas
excelências, os nossos representantes, limpando-lhes do cérebro,
todos os preconceitos por preconceituar, e todas as objecções por
objectar, e votaram favoravelmente a resolução. Tal nunca visto.
A
“batata quente”, passa então para sua excelência o Presidente
da Republica, que envia a proposta já aprovada no hemiciclo, para o
Tribunal Constitucional examinar à lupa; estará o texto, como corpo
jurídico, em contradição com a Constituição da Republica? E não
é preciso muito, para entrar em contradição com a dita. Logo,
colocar-se-á a questão da inconstitucionalidade ser ou não
sanável. Se o for, voltará ao plenário dos nossos deputados,
esperando que o raio de sol especial, esteja lá naquele dia; senão
todas as esperanças caem perta da meta. E paciência.
Imagine-se,
se por um bambúrrio de sorte, género Euro-Milhões, a tal proposta
legislativa consegue ultrapassar todas as paredes; mesmo que
profundamente alterada no seu conteúdo, e mesmo na sua essência,
por todas as comissões, discussões, regulamentos e constituições;
irá a votação nacional, a sobrevivente. Optimo, esse era o grande
objectivo.
Últimos
e grandes obstáculos. Convencer os eleitores de duas coisas. Uma,
que se a proposta for justa e sirva o país, deve ser votada
favoravelmente; Outra muito mais difícil de conseguir, que os
eleitores compareçam em mais de 50% às urnas; o cansaço das
pessoas, em relação ao sistema político em que vegetamos, tende
para que as pessoas se sintam desmotivadas para participar
civicamente.
É
que mesmo votado favoravelmente, o assunto em referendo, caso a
participação referendária seja inferior a 50%, a decisão positiva
não é vinculativa. E não sendo tal, porque é que há-de ser
adoptada como lei do país? Cinicamente, conclui o sistema.
E
o escandaloso, é que se considera vencedor, representativo e idóneo
um governo, que sai de eleições legislativas, em que o partido
vencedor não teve mais de 10% de votantes do universo dos eleitores.
E no entanto não é vinculativo, o resultado positivo de um
referendo, em que votaram 49% dos cidadãos. Brade-se, perante a
ignomínia.
Caro
leitor, não te apetece derrubar de algum modo estas paredes?