30/03/2016

A armadilha do crédito fácil

"A perversidade a que me venho referindo, refere-se ao facto, de que o principal interesse da banca de investimento globalizante é o de emprestar dinheiro. Valores esses, que lhe permitem cobrar juros e encargos, e muito importante, lhe permitem ter um pé dentro das empresas produtivas."

É perverso. Mais será também uma armadilha cínica; tão doce, quanto amarga, pois as empresas enleiam-se nela voluntariamente, e raramente lhe sobrevivem. 

Ao que me estou a referir? A um processo, que irei descrever, que nasce da necessidade da aquisição de poder de concorrência, continua na utilização desregrada de dinheiro fácil, e a maior das vezes termina em catástrofe.

Quando uma sociedade vem ao Mundo, para que todas as suas capacidades possam funcionar competitivamente, é necessário que sejam financiadas. 

O capital, para esse efeito necessário, poderá ter origem nos seus sócios, ou em capitais alheios; quando alheios, normalmente terão origem em empréstimos. Recorrer a empréstimos para financiar aquisição de bens com capacidade produtiva, são actos de gestão perfeitamente plausíveis, já que a maior parte das vezes, os volumes de investimento são tão avultados que é difícil aos sócios das sociedades, possuírem os valores necessários. Até aqui tudo bem. 

Mas a partir daqui é que tudo pode começar a correr mal; será o caso, em que a gestão financeira dessa sociedade considere que o recurso a capitais dos sócios ou a retenção de lucros seja considerada pouco interessante, para os sócios da sociedade, privilegiando-se o endividamento externo, nomeadamente bancário. E aqui pode-se estar a construir uma bomba económica, que mais tarde caso expluda, indo afectar o tecido económico em que se insere. Por vezes tragicamente.

A perversidade a que me venho referindo, refere-se ao facto, de que o principal interesse da banca de investimento globalizante é o de emprestar dinheiro. Valores esses, que lhe permitem cobrar juros e encargos, e muito importante, lhe permitem ter um pé dentro das empresas produtivas. Logo, quanto mais dinheiro emprestarem, maior será o seu rendimento auferido. Lógico. Logo é do seu interesse incentivarem a formação de divida, ao capitalismo produtivo. E é nesta lógica de raciocínio que se criou uma teoria académica, altamente fundamentada, matemática e logicamente, em modelos simulativos.

Diz a tal: Para os sócios de uma sociedade, é muito mais interessante e menos arriscado que uma sociedade se endivide e trabalhe com capitais alheios; logo deverão realizar o menor capital possível, e deverão receber o máximo de dividendos possíveis, evitando a capitalização própria da sociedade. O risco do negócio será desse modo transferido, não só para os stakeholders externos, como os fornecedores, mas principalmente para a banca. E a perversidade prática, da teoria reside aqui: na realidade, a banca é a entidade que correrá menos riscos; pois além de incrementar a cobrança de juros e encargos, aumentando os seus lucros, tem a capacidade de obter garantias reais junto do devedor, transferindo na prática o risco do negócio principalmente para os fornecedores da sociedade. Ao mesmo tempo, a banca, ganhará outra vantagem, esta posicional: caso a sociedade em causa, adquira uma posição de relevo no mercado, nomeadamente com entrada na bolsa de valores, a banca poderá assumir de algum modo posições accionistas, e desse modo praticar acções especulativas, ou transformar a sociedade em causa numa “vaca leiteira” de dividendos, em seu favor.

Sabemos, por experiencia amarga e prática, que muitas sociedades e empreendimentos soçobram por excesso de endividamento; muitas delas, possuíam capacidade produtiva e competitiva, forneciam produtos e serviços ao mercado consumidor, de bom interesse e qualidade, mas o excesso de encargos financeiros e bancários, presentes nas suas demonstrações de resultados, tornaram impossível a sua continuação, em virtude do garrote financeiro, em que entretanto foram juguladas. Normalmente, os principais prejudicados são os fornecedores; os bancos ficam ressarcidos com os activos jacentes e com os juros de mora cobrados ao doente na fase terminal.

Em épocas normais á assim; em épocas de crise, ao mercado não lhe apetece sobremaneira, nem patrimónios imobiliários, nem equipamentos tecnologicamente em fim de vida, logo o ressarcir dos empréstimos é mais complicado. É aqui que aparecem, os fabulosos prejuízos que a Banca tem registado; os cadáveres, das empresas e empreendimentos, têm um valor insuficiente, para cobrir o valor do dinheiro emprestado. 

E os Bancos até poderão ficar insolventes, como muitos dos fornecedores já anteriormente ficaram. E nesse caso, temos arcado nós cidadãos, com o ónus de salvar os bancos.