12/08/2015

Este euro que nos mata lentamente

O euro está a fazer mal à economia portuguesa. Se tivéssemos a estrutura produtiva da Alemanha não seria assim. Se tivéssemos um mercado interno muito superior a 10 milhões de pessoas não seria assim. 
Se não fossemos a 40ª economia mundial a viver com a moeda mais forte do mundo não seria assim. Mas é assim por todas essas razões e também pela inquestionável indisciplina nas finanças públicas desde 1974. 

O último excedente orçamental das contas públicas registou-se em 1973 — e desde 1975 só em três anos é que o défice orçamental ficou abaixo dos 3%. Apesar disso, o peso da dívida pública em percentagem do PIB manteve-se bastante estável, em torno dos 50% do PIB, entre 1986 e 2000. E é a partir daí, década em que aderimos ao euro, que o rácio de dívida pública/PIB começa a crescer de forma sustentada e explode depois de 2008, ano da falência da Lehmann Brothers.
Ora, se continuámos a acumular défices orçamentais entre 1986 e 2000, como foi possível manter estabilizado o rácio da dívida pública em percentagem do PIB? Por várias razões, a primeira das quais e mais importante decorre do forte crescimento da economia portuguesa nesse período (subida de 9,1% do PIB nominal entre 1987 e 2000 e de 4% do PIB real contra valores descoroçoantes de 4,5% e 1% entre 2000 e 2007 ou completamente agónicos de 2,5% e 0,2% entre 2000 e 2013). 

Depois, com a entrada na Eurolândia, o crescimento começa a definhar ano após ano. As causas são várias: o euro torna as exportações nacionais menos competitivas; os agentes económicos, beneficiando das taxas de juro baixas, endividam-se; o mercado nacional aquece, devido ao aumento do poder de compra; as empresas passam a apostar nos bens não transacionáveis. Todos estes ingredientes, mais o dinheiro público injetado na economia para a sustentar em 2009 e 2010, levam ao disparo brutal da dívida externa, que chega a 130% do PIB em 2014.
O que daqui decorre é que sem fortes crescimentos da economia não há outra maneira de permanecer no euro senão ir cortando cada vez mais nas funções do Estado, em salários e pensões, nas prestações sociais, no investimento público, para manter o garrote sobre a procura interna.

Logo que ele afrouxar, é mais do que provável o regresso dos desequilíbrios externos. E esses fortes crescimentos deveriam decorrer do regresso em força do investimento estrangeiro, após o ajustamento. Não foi isso que aconteceu. O investimento que veio foi de fora da UE (China e Angola) para comprar empresas e bancos já existentes. O investimento francês dirigiu-se para a compra de imobiliário. Pelo caminho, o país perdeu várias empresas âncoras da economia e mais de 300 mil técnicos médios e altamente qualificados para o estrangeiro.
Sem forte crescimento da economia não há maneira de permanecer no euro senão cortar no Estado social, salários e pensões. Como é que se sai deste imbróglio sem sair do euro? A proposta de François Hollande (um núcleo duro de sete países e um euro fraco para os restantes) é uma via. E não há muitas mais.
Nicolau Santos, in Expresso, 08/08/2015