A União Europeia alega ser um projecto democrático, eticamente
superior aos seus vizinhos. A imagem que tenta projectar é aquela de um
bastião de liberdade e civilização, com a Federação Russa autoritária e
perigosa a Leste, o Médio Oriente bárbaro e violento a Sudeste e a
Africa pobre e atrasada a Sul.
Mas longe de ser um bastião de civismo e compaixão, há séculos que a
estrutura de poder dominante da Europa se comporta como um vil culto da
morte, espalhando o terror e a destruição pelo mundo fora. A ultima
tragédia no Mediterrâneo, em que centenas de imigrantes que tentavam
desesperadamente fugir à guerra e à miséria morreram afogados, e
sobretudo a resposta da União Europeia para com esta tragédia, demonstra
que por detrás da fachada de superioridade ética e civilizacional, a
estrutura Estatal Europeia ainda não ultrapassou as tendências genocidas
que tem vindo a desenvolver durante os últimos séculos, tendo
virtualmente como única solução para os problemas que se lhe apresentam a
violência premeditada.
Como seria de esperar, o conselho da União Europeia (UE) que se reuniu
em urgência depois das centenas de mortes no Mediterrâneo chegou à
conclusão que a reposta da UE vai ser de intervir militarmente contra os ‘traficantes de imigrantes’ e aumentar o orçamento para policiar o Mediterrâneo. Para além de ridícula, esta ‘solução’ é superficial, contraproducente e hipócrita.
Sobretudo, a reacção da UE mostra a sua verdadeira natureza,
nomeadamente, que o seu principal objectivo político é o de aglomerar o
maior número possível de Estados Europeus de forma a formar uma
superestrutura Federal que poderá defender, consolidar e expandir a
hegemonia Ocidental sobre o resto do mundo. A própria União Europeia até
produziu um vídeo, posteriormente retirado por ter sido considerado
racista e impróprio, em que iloustra a sua lógica fundadora, em que a
‘União’ não é uma união entre os povos Europeus em nome da
solidariedade, mas sim uma reacção paranóica ao medo de eventuais
ameaças exteriores.
Os imigrantes que arriscam a travessia do Mediterrâneo, apelidada por muitos de ‘travessia da morte’,
fazem-no, na maioria dos casos, para fugir à pobreza e à violência.
A
imigração é uma reacção de desespero a condições de sofrimento extremo, é
um sintoma de uma causa. Uma verdadeira solução teria que tentar por
termo ao duplo flagelo da pobreza e da guerra. O necessário seria uma
profunda reforma das relações económicas mundiais, uma redistribuição
da riqueza e a redução de relações de dependência económica, ou seja,
seria necessária uma abordagem mais radical, o que significaria adoptar uma abordagem mais profunda e consciente.
Em vez disso a UE tenciona adoptar medidas violentas, e portanto
superficiais, de modo a evitar qualquer verdadeira mudança política.
Contraproducente:
Uma intervenção militar não somente não iria resolver os problemas em
questão, iria sem dúvida exacerbá-los. Irá forçar os traficantes de
pessoas a militarizar-se ainda mais, a refugiar-se cada vez mais na
clandestinidade e na violência, sem por isso reduzir o número de pessoas
que procuram os seus serviços.
Pelo contrário, mais guerra e violência
aplicada por forças militares ultra-tecnológicas, como são as forças da
UE, em regiões já desestabilizadas somente irá perpetuar o circulo
vicioso de colapso político e social em certas áreas críticas do Médio
Oriente e da África.
Hipócrita:
É tragicamente óbvio que o fluxo de imigração desesperada tem como
uma das principais causas as intervenções militares Ocidentais recentes,
nomeadamente, mas não só, no Iraque, na Líbia, no Mali e na Síria.
A
estrutura de poder Ocidental defende que intervenções militares são a
resposta mágica para todo o tipo de problemas complexos, nomeadamente,
catástrofes ecológicos (ver o exemplo do terramoto no Haiti de 2010),
défices de democracia (ver a invasão do Iraque de 2003), necessidade de
mudança de regime político (ver Síria a partir de 2011), repressão de
movimentos revolucionários (ver Iémen em 2015), etc.- todo e qualquer
problema serve para justificar mais uma intervenção militar. Mas
inevitavelmente, estas intervenções acabam por gerar ainda mais
sofrimento para as populações dos países invadidos, somente beneficiando
a minoria que lucra da industria da guerra, gerando milhares de
refugiados prontos a tudo para fugir das áreas de conflito.
A invasão da
Líbia de 2011 é o exemplo máximo de como uma missão alegadamente
democratizadora acaba por piorar ainda mais a condição do país visado. É claro que intervenções militares fazem parte do problema e não da solução.
Conclusões Relativamente à Natureza da União Europeia:
A UE está a adoptar uma atitude que, para além de profundamente
hipócrita, é igualmente infantil, tentando convencer a sua população que
simples actos de agressão militar serão suficientes para impedir
tragédias futuras, sem por isso ter que mudar o seu próprio estilo de
vida, modelo económico ou visão do mundo. Toda a abordagem da UE parece
seguir o guião de um filme de acção de Hollywood de má qualidade, em que
todos os problemas do mundo se resolvem ao enviar homens brancos
armados até aos dentes para matar os ‘maus da fita’, quase sempre
representados por supostos criminosos de pele mais escura. Depois de uma
série de peripécias visualmente impressionantes, incluindo explosões
aparatosas, bombardeamentos aéreos e muita violência gratuita, os maus
da fita acabam inevitavelmente por ser neutralizados lá para o final do
filme, enquanto que os bons vivem felizes para sempre.
O paradoxo aqui é que como resultado do Ocidente tender para agir
como se fosse um herói num filme de acção de Hollywood, as suas acções
acabam por fazer com que mundo cada vez mais se pareça com uma tragédia
Grega.
E esta tragédia tem que ter da nossa parte uma resposta decisiva, e ela tem que vir na forma de uma declaração de guerra.
Mas para que esta guerra seja vitoriosa, para que consiga por termo às
mortes e ao sofrimento no Mediterrâneo, para que possamos por termo à
desgraça que tem sido ao longo dos últimos séculos a atitude da Europa
para com o resto do mundo, temos que declarar guerra não aos
traficantes de pessoas mas sim aos traficantes de armas. E a maioria
(cerca de 75%) das armas são fabricadas e vendidas precisamente pelos
Estados Unidos da América ou por países que integram a União Europeia.
Somente o desmantelamento progressivo da industria militar irá parar a espiral de violência que tem gerado centenas de milhares de refugiados prontos a arriscar a própria vida para fugir a conflitos que destroem os seus lares. A solução encontrada pela UE, que é a de aplicar ainda mais violência, continuando a alimentar o monstro que é o Complexo Industrial-Militar Ocidental, é precisamente o oposto do que seria necessário.
Para quem ainda tinha dúvidas, a máscara caiu de vez.
A União
Europeia faz parte do problema, não da solução, e está a dar
continuação à preocupante tendência histórica da Europa de interagir com
o resto do mundo como se de um sinistro culto da morte se tratasse.
Se gostaste deste artigo,
o João Silva Jordão escreve no blog Casa das Aranhas