20/09/2015

Desmistificar falsos pressupostos sobre resistência não violenta - Gene Sharp

A resistência não-violenta é uma técnica de acção sócio-política para a aplicação de poder num conflito sem o uso de violência física. A resistência não-violenta pode envolver actos de omissão, ou seja, as pessoas podem recusar-se a realizar actos que normalmente fariam, que seriam esperados de executar em condições normais, ou que são obrigados por lei ou regulamentação a realizar; ou actos de comissão, ou seja, as pessoas podem realizar actos que normalmente não fariam, que não seriam esperadas fazer, ou mesmo que são proibidas de realizar, ou uma combinação dos dois.

No entanto, como técnica, a resistência não-violenta não é passiva. Não é inacção. É uma acção que é não-violenta. Esses actos incluem uma infinidade de métodos específicos de acção ou "armas não-violentas". Quase duzentos já foram identificados até à data, e sem dúvida, mais já existem ou vão surgir em futuros conflitos.

Três grandes classes de métodos não-violentos existem: protesto não-violento e persuasão, não-cooperação e intervenção não-violenta.

A acção não-violenta fornece uma forma de exercer poder, a fim de alcançar objectivos e sancionar adversários sem o uso da violência física. De forma geral, a acção não-violenta é a acção de um grupo ou de massas.

Enquanto certas formas desta técnica, especialmente os métodos simbólicos, podem ser consideradas como esforços para persuadir por acção, as outras formas, especialmente as de não-cooperação, poderão, se praticados por um grande número, coagir oponentes. Seja qual for o problema ou o grau do conflito, a resistência não-violenta é uma técnica pela qual as pessoas que rejeitam a passividade e submissão, e que vêem como essencial a resistência, podem travar um conflito sem violência. A resistência não-violenta não é uma tentativa de evitar o conflito. É uma resposta para o problema de como exercer o poder de forma eficaz.

A resistência não-violenta é uma técnica de acção sócio-política para a aplicação de poder num conflito sem o uso de violência física.

O que acção não-violenta não é :

1) A resistência não-violenta não tem nada a ver com passividade, submissão ou cobardia; assim como na resistência violenta, estes devem ser rejeitados e superados.

2) A resistência não-violenta não deve ser equiparada com a persuasão verbal ou puramente acção psicológica, embora possa usar a acção para induzir pressões psicológicas para uma mudança de atitude; acção não-violenta, em vez de palavras, é uma sanção e uma técnica de luta envolvendo o uso de poder social, económico e político, e a correspondência entre as forças em conflito.

3) A resistência não-violenta não depende do pressuposto de que as pessoas são inerentemente "boas"; as potencialidades das pessoas, tanto para o "bem" e o "mal" são reconhecidas, incluindo os extremos de crueldade e desumanidade.

4) As pessoas que usam resistência não-violenta não tem que ser pacifistas ou santas; a resistência não-violenta tem sido praticada com sucesso predominantemente por pessoas "comuns".

5) O sucesso com resistência não-violenta não requer (embora possa ser ajudado por), normas e princípios comuns, um alto grau de comunhão de interesses, ou um alto grau de proximidade psicológica entre os grupos em conflito; isso é porque quando os esforços para produzir uma mudança voluntária falham, podem ser utilizadas medidas coercivas não-violentas.

6) A acção não-violenta é, um fenómeno tão ocidental como oriental; na verdade, é provavelmente mais ocidental, se se levar em conta o uso generalizado de greves e boicotes no movimento operário e das lutas não cooperação de nacionalidades subordinadas.

7) Em acções não-violentas não há nenhuma garantia de que o adversário se vai abster de utilizar a violência contra activistas não violentos; a técnica é desenhada para operar contra a violência quando necessário.

8) Não há nada na resistência não-violenta para impedir que ela seja usado para o "bem" ou para o "mal", embora as consequências sociais da sua utilização por uma causa "má" podem diferir consideravelmente do uso de violência utilizada nessa mesma causa.

9) A resistência não-violenta não se limita aos conflitos domésticos dentro de um sistema democrático; ela tem sido amplamente utilizada contra regimes ditatoriais, ocupações estrangeiras e até mesmo contra sistemas totalitários.

10) A resistência não-violenta nem sempre leva mais tempo para produzir uma vitória que a luta violenta. Numa variedade de casos, a luta não-violenta ganhou objetivos num tempo muito curto - tão pouco como alguns dias. O tempo necessário para alcançar a vitória depende de diversos factores - principalmente a força dos activistas não violentos.

Gene Sharp
Tradução RiseUp Portugal