14/06/2016

A raiz do mal

A banca, de “dia”, extorque casas, carros, ordenados e o que mais puder aos contribuintes em dificuldades, quase sempre em negócios de enriquecimento ilícito, possibilidade criada pelos tais “legisladores” de interesses. De “noite”, pede, exige, obriga esses mesmos contribuintes a tapar os saques através de injecção de capital público, a fundo perdido, ou em empréstimos. 

“Mata um homem e és um assassino, mata milhões e és um conquistador, mata todos e és Deus”. A frase proferida pelo biólogo e filósofo francês Jean Rostand assenta como uma luva na mentalidade maquiavélica dos que têm saqueado sem controlo os contribuintes portugueses. Cometer crimes sim, e na maior escala possível.

Outra, vinda de um ambiente mais lúdico completa o ramalhete da criminalidade impune que reina em Portugal. 

No filme Die Hard, Alan Rickman na pele do vilão Hans Gruber justifica a John McClane, interpretado por Bruce Willis, por que razão decidiu “fabricar” a sua aparente morte como desfecho do assalto que estava a efectuar. “Quando roubas 600 dólares podes desaparecer. Quando roubas 600 milhões vão-te encontrar a menos que te julguem morto”. 

No caso português essa fuga à responsabilidade tem sido orquestrada através de bancos falidos, inundados por milhões de operações, onde a identificação dos actos ilícitos é mais difícil do que encontrar uma agulha num palheiro, especialmente para um sistema judicial sem o mínimo de condições materiais e humanas para tais operações.

E quem é que capacita ou incapacita uma das pedras basilares de um estado de direito democrático, a Justiça? Para não ser “independente” apenas no papel, mas para ser eficazmente independente na prática? Os mesmos que directa ou indirectamente partilham a cama com os prevaricadores – a classe política –, especialmente os deputados advogados, os tais que Mendes Bota, ex-presidente da comissão de Ética do Parlamento, afirmou que assaltaram os lugares-chave da Assembleia da República.

Os mesmos “legisladores” que criam as leis para os ‘lobbies’ que os sustentam e impedem as leis para a responsabilização deles próprios e de quem representam. Um caso típico de “colocar o lobo a guardar o rebanho de ovelhas”. Portanto, crimes sim, mas em grande, para se iludir com a complexidade do processo, “matar” os veículos dos ilícitos, os bancos, e escolher uns bodes expiatórios que nunca serão responsabilizados em tempo útil. Senão vejamos:


BPN, o “banco dos partidos”, muitos milhões de euros de créditos efectuados por políticos e amigos, que nunca foram nem serão pagos, consequências passados 8 anos e 3 mil milhões em custos para os contribuintes? Oliveira e Costa, agora com 80 anos, se alguma vez for condenado é mais do que provável que já não esteja no mundo terreno.

Banif, o oxigénio do reinado de Alberto João Jardim e do PSD Madeira. Deveras curioso que se criticou, e bem, o BES de financiar o GES, mas o facto de o Banif ter sido o principal financiador do PSD, partido, e Fundação Social Democrática em 2014 e 2015, numa altura em que quem controlava o Banif era o Estado controlado pelo PSD, é irrelevante. Responsabilização? No Banif, Horácio Roque, fundador e responsável máximo, já não responde pelo que fez ou deixou fazer e nenhum responsável do banco está hoje sob acusação directa. De novo um crime sem culpados com um custo para os contribuintes superior a 3 mil milhões de euros.

BES, o maior buraco em valor, o menor custo para o Estado em proporção, perto de 4 mil milhões, para já. “Escolheu-se” um bode expiatório, Ricardo Salgado, hoje com 71 anos, supostamente o cérebro de um buraco financeiro superior a 12 mil milhões. Todos os que o acompanharam e até lucraram mais do que ele, directa ou indirectamente, acabaram “esquecidos” na enormidade e complexidade do processo. As luvas, as comissões, o pagamento de favores aos “legisladores” nunca verão a luz da responsabilização.

CGD, o saco azul do fermento partidário, o casulo dos “Sérgio Monteiro” e dos “Armando Vara” desta vida, muitos milhões em empréstimos para os “amigos” financiadores dos políticos e dos partidos – 4 mil milhões é o custo apontado.

Ao todo, só nestes quatro casos, são 14 mil milhões e transversal a todos eles, os supervisores, apesar de co-responsáveis em todos os actos de ilicitude grosseira, passam incólumes entre os pingos da chuva da responsabilidade.

A realidade é simples, a perversidade é extrema. A banca, de “dia”, extorque casas, carros, ordenados e o que mais puder aos contribuintes em dificuldades, quase sempre em negócios de enriquecimento ilícito, possibilidade criada pelos tais “legisladores” de interesses. De “noite”, pede, exige, obriga esses mesmos contribuintes a tapar os saques através de injecção de capital público, a fundo perdido, ou em empréstimos. 

Ainda está para vir o dia em que um banco empreste seja o que for a um contribuinte falido e em que a única garantia seja apenas a perspectiva de gerar rendimento para pagar o empréstimo. Ou seja, o que o Estado andou a fazer à banca nos últimos anos. Ainda está para vir o dia em que o contribuinte tenha direito a um ‘bad bank’ para limpar instantaneamente os seus problemas como um acto de magia e sem ser responsabilizado.

Desengane-se quem espera por justiça. A de hoje não é independente, não por vícios, mas por condicionamentos, seja de financiamento das operações ou de onerosidade no acesso. O campo está inclinado e o cidadão perde o jogo mesmo antes deste começar, na secretária dos interesses que é o Parlamento.


O Marco Silva escreve também na sua página de facebook que podem encontrar neste link