Tal pitéu, deveria ser fonte de prazer e felicidade, para todos aqueles que estejam de qualquer modo a ele ligados. Mas na origem dessa delícia negra existe uma história negra de exploração, miséria, trabalho infantil e até escravatura humana.
Uma surpreendente reportagem. Em 2014, uma equipa de reportagem holandesa deslocou-se à Costa do Marfim, para entrevistar pequenos agricultores ligados à produção de cacau. Com eles levaram chocolates produzidos no Ocidente, com o objectivo de os dar a saborear, àqueles que tinham produzido o cacau, com que eles eram feitos. Reunidos. Foi dado um quadradinho a cada um, para provar, e foi-lhes perguntado se sabiam o que aquilo era. Extraordinariamente ou não, nenhum sabia. Mas que era delicioso era. Não, não havia de ser. Mas o maior espanto, cresceu entre eles, quando lhes foi dito que aqueles quadradinhos deliciosos, eram feitos com as sementes que eles laboriosamente extraiam dos seus cacauzeiros, e que ensacados viajavam para longe, tão longe, que eles não lhe sabiam o destino. Perplexos, quase descrentes, maravilhados e deliciados, com os quadradinhos que na boca os extasiavam. Só visto.
A produção de cacau exige condições de calor e humidade específicas que só existem em alguns países tropicais. Exige também mão-de-obra e cuidados intensivos, de modo a que se consiga produção de qualidade. O principal produtor mundial é a Costa do Marfim, estando boa parte da sua população legada ao seu cultivo. Mas existem bastantes outros países a produzir cacau, pelo que a diversidade da oferta é relativamente e elevada. Pequenos agricultores, com as suas famílias, muitas vezes recorrendo a trabalho infantil, e segundo alguns relatórios também utilizando mão-de-obra infantil escrava, asseguram a produção, vivendo estritamente no limiar da sobrevivência. Não admira pois desconhecerem em absoluto, o sabor do produto final oriundo do que produzem.
O rendimento de um dia desses agricultores ronda os 7 euros, certamente suficientes para comer uma “fuba”, mas insuficientes para almejar adquirir uma barra de delícia negra importada, quando está em causa a sobrevivência básica dos seus. Pois o preço desta, alavancado exponencialmente, pelo fabrico, especulação e taxas que lhe estão associadas, está muita acima dos seus horizontes.
Mas fatidicamente é assim, pois o sistema económico assim o impõe. Um quilograma de cacau é pago ao produtor por 2,5 euros; com esse quilo de matéria-prima essencial consegue-se produzir quarenta barras de chocolate, claro que adicionando-se-lhe outros elementos como o leite. E cada uma poderá custar no Ocidente os mesmos 2,5 euros. Parecido com isto, só o milagre dos pães de Jesus Cristo.
Está à vista que se trata de um caso tipo, entre tantos que sucedem nos segundos e terceiro mundos, de cartelização e de imposição de um preço baixo de referência aos produtores. Em que se encontra aprisionado todo o sistema de produção agrícola do cacau e os respectivos países produtores. Meia dúzia de empresas multinacionais, de que se destaca a suiça Barry Callebaut, dominam o circuito de comercialização do cacau em semente e do seu processamento em manteiga de cacau e pó de cacau. Como trabalham em cartel têm a possibilidade de impôr os preços de aquisição mínimos. Não podem oferecer menos, senão os agricultores deixavam de produzir; não lhes convêm oferecer mais, pois baixariam os lucros e os dividendos tão caros aos seus accionistas. Os próprios Estados onde é produzido o cacau, não podem subir taxas com pena de o cartel retaliar.
A Cargill, outra multinacional ligada a este cartel, pretendia construir uma fábrica na Costa do Marfim de transformação das sementes de cacau; o governo do país alvitrou a imposição de uma taxa de exportação sobre a manteiga de cacau produzida, que certamente seria bastante profícua como receita, uma vez que a cotação no mercado internacional é muito maior do que a matéria-prima de origem, as sementes de cacau. Imediatamente, o projecto foi deslocalizado para a Indonésia.
Por aqui se vê, a imposição que existe, sobre os povos e países produtores, não só de preços de referência reduzidos, que permitem apenas a sobrevivência básica das populações, como também de taxas de exportação baixas, por parte das multinacionais, que controlam a comercialização. E está claro, que caso, algum país produtor pretendesse substituir-se-lhes a nível internacional, no processamento e comércio das sementes de cacau e produtos relacionados, sofreria um boicote por parte das empresas multinacionais ligadas ao fabrico de chocolataria, que também estão integradas e ligadas entre si por participações accionistas. Um muro de exploração.
E no outro lado, naquele que consome, os preços praticados, são de caracter semi-monopolista; maximiza-se o lucro, levando em conta a maximização do consumo; apesar de existirem muitas empresas chocolateiras, quem impõe o preço serão as multinacionais como a Nestlé. Estas obtêm os melhores preços na aquisição das matérias-primas, dadas as quantidades adquiridas; mas também o conseguem, à custa das ligações privilegiadas que possuem com os produtores de manteiga de cacau.
Alguém se admirará, que os agricultores pobres da Costa do Marfim, não conheçam o sabor do chocolate? E que muitos, cansados da miséria embarquem em longas viagens emigrantes, rumo aos países, ditos de ricos? E porque é que, é impossível aos países subdesenvolvidos fugirem do anátema da pobreza?
por Octavio Serrano para o RiseUp Portugal
em baixo deixamos um documentário premeado do jornalista dinamarquês, Miki Mistrati, legendado em português, onde investiga informações relacionadas com trabalho escravo infantil nestas plantações de cacau.