25
de Abril de 1974. A porta que abriu, uma liberdade longamente
esperada, que voou nas mentes, nos corações, nas vidas dos
portugueses; crianças e almas inocentes, na generalidade semi ou
mesmo analfabetos; criados em vidas de dificuldades, de subsistência
sempre em duvida; fechados culturalmente a mundos diferentes e
distantes, em distância aumentada por todo o tipo de barreiras;
curiosos e abertos a tudo que era novo; se possível importado de
fresco, mesmo que podre e ressabiado, desde que bem embrulhado e bem
apresentado; fartos de 48 anos do mesmo, dia após dia, cinzento,
para não dizer negro; esfacelados em sangue, por terras longínquas,
herdadas de aventuras antigas, e desfasadas na história; juventudes
perdidas, cortadas, e revoltadas, que um dia explodiram. De
felicidade claro, nesse dia 25 de Abril.
E
as nossas élites? Herdadas, importadas; formadas nos rescaldos da
Grande Guerra; discípulos dos oponentes da guerra fria; e também
vítimas do exilio, para Europas diferentes e antagónicas que
cresceram muito para lá, deste povo à beira mar plantado, só e
solitário; desenraizado do progresso, sonhado e invejado, nos
vislumbres das “vacances” dos que voltavam por poucos dias.
E
quem chegou e quem foi, neste marco da liberdade?
Quem
foi, foram todos aqueles que representavam as forças da prisão, do
imobilismo, do arbítrio, da miséria disseminada, da ignorância
estabelecida, do poder económico rendista e monopolista; uma grande
vassourada; uma grande reciclagem; de algo que estava podre, bafiento
e ultrapassado na história.
Quem
veio, foram todos aqueles que queriam ocupar o lugar dos outros.
Os
militares idealistas, mas também cheios de raízes no povo, a
maioria de formação incipiente e parcelizada; um pouco de Marx,
réstias de Avante, ouvintes e fascinados por uma Europa de
progresso, formados entre na solidariedade da guerra e da caserna; em
fractura com um Regime, que os usava e abusava, numa guerra sem
sentido e direcção.
Os
filhos de segunda linha do Regime; alas mais ou menos liberais, que
se tornaram democratas da noite para do dia; filhos de élites
culturais e económicas, em conflito anterior, com as mentalidades
atrasadas e ultrapassadas; ansiosos, por liberdade económica, e por
uma abertura ao mundo, que tardava, fruto dos embargos
internacionais, derivados da guerra colonial.
Os
“papões” comunistas; renascidos, da noite de 48 anos;
radicalizados no medo e na solidariedade intima entre si; da porta
aberta das redes clandestinas; de regresso, de uma Europa existente
por detrás do muro, mítica, desconhecida, fabulizada; cheios de
gana, por uma sociedade diferente e idealista, revanchista contra
tudo e todos; cavalgantes numa luta de classes, que tudo abalaria;
títeres de expansionismos e de jogos geopolíticos longínquos e
alheios aos reais anseios populacionais.
Com
malas cheias de dinheiro, apareceram os recém-convertidos ao
socialismo democrático; recauchutados, na Alemanha Ocidental, e
refastelados em França, vinham dispostos a vender uma visão
europeísta de crescimento e progresso, aos carentes indígenas
ávidos precisamente disso mesmo; mas também ocultamente, mandatados
para servir interesses, de quem os ensinou, guiou e financiou; num
mundo bipolarizado, toda a gente teria de optar por um dos lados. E
de ter algum interesse nisso.
A
amálgama dos herdeiros do Maio de 68, e de todas as cisões, que
foram ocorrendo mundo fora; tão longe e tão perto, que aqui se
derramaram e espalharam , como onda de verdades absolutas
antagónicas, criadoras de raivas e de ódios; radicais, estranhas,
desenraizadas, incendiárias, que se foram apagando ao longo do tempo
e das desilusões.
E
foi neste caldeirão de ismos, que em 25 de Abril de 75, se elegeu a
Assembleia Constituinte. Em ambiente de festa nunca visto, mas
sonhado por muitos. Hierarquizou-se as tendências e as preferências.
Mas também se radicalizou a luta pelo poder, numa orgia de odio,
medo e raiva, que produziu esse irrepetível verão quente de 75. E
foi nesse ambiente, que nasceu a nossa Constituição. E se
estabeleceu o nosso método eleitoral. Mais preparado, para garantir
um sistema, do que para propiciar ao povo a explicitação da sua
vontade. Um velho, a entrar na idade da reforma.
por Octávio Serrano para o RiseUp Portugal