Ontem, dia 20 de Setembro, PS, PSD e CDS, partidos do arco da governação, ratificaram o
Acordo Global de Economia e Comércio entre a União Europeia e o Canadá
(CETA), na Assembleia da República.
Este é um acordo transnacional que é feito à
medida de uma elite corporativa mas trabalhado à revelia dos cidadãos e
do ambiente.
Uma das vertentes dos acordos de livre comércio mais criticada tem
sido o sistema de resolução de conflitos. Poderá ser aberta uma porta
jurídica, dando possibilidade às multinacionais de processarem os
Estados por decisões que ponham em causa os seus interesses. Este
mecanismo chama-se ISDS/ICS e garante às grandes empresas estrangeiras a
possibilidade de processar os governos, exigindo compensações
financeiras se as leis violarem os direitos dos investidores ao lucro.
Se tudo lhe parece confuso, veja este exemplo inédito, ocorrido no
início de Outubro. Há uma empresa mexicana que ameaça processar Portugal
em 42 milhões de euros, pelo cancelamento da privatização dos
transportes públicos de Lisboa.
Recorde-se que estes dois “acordos de subconcessão” que o Grupo
Autobuses de Oriente (ADO), através da subsidiária espanhola Avanza,
foram assinados com o governo Português, do então primeiro-ministro
social-democrata, Passos Coelho, em Junho de 2015. O governo socialista
de António Costa decidiu cancelar os acordos de subconcessão “com efeito
imediato”, acordos esses que, no entanto, aguardavam o aval do Tribunal
de Contas.
Segundo a Plataforma Não aos Tratados TTIP/CETA/TISA, a empresa
mexicana que requer a indemnização enviou um aviso de disputa ao Governo
Português, no âmbito do tratado de investimento bilateral
Portugal-México, após considerar as negociações “infrutíferas”. Caso a
disputa chegue à instância de arbitragem, será o primeiro caso do género
conhecido em território nacional, apesar de a ocorrência de processos
semelhantes não ser novidade no resto do mundo.
Manifestações, protestos, campanhas de sensibilização e recolha de
assinaturas contra os tratados de livre comércio têm marcado a agenda de
activistas e cidadãos por toda a Europa. A STOP TTIP/CETA – que agrega
várias organizações dos 28 Estados-membros que se opõem à conclusão dos
tratado – lançou recentemente a iniciativa “CETA CHECK”,
que permite aos cidadãos contactarem os eurodeputados , ministros do
Comércio e Economia e respectivos secretários de Estado para colocarem
questões relacionadas com o CETA.
“O acordo com o Canadá pode parecer pequeno e inocente quando
comparado com o irmão mais velho TTIP, mas não é menos tóxico! Terá
impacto em todos os cidadãos europeus de uma forma ou de outra, seja
pelo preço dos alimentos ou de visitas ao hospital! O CETA vai baixar
requisitos mínimos que foram conseguidos com muito esforço, desconstruir
a democracia e deturpar a lei”, defende a organização.
A plataforma europeia tornou possível a recolha de 3,5 milhões de
assinaturas de cidadãos europeus contra o livre comércio, a favor da
transparência e em protesto pelo secretismo das negociações.
“Não se pode aceitar que as grandes empresas ditem tudo”; “O que se
passa à porta fechada, é um escândalo. Não é democrático. A autonomia
dos países está a ser abalada”; “A economia deve servir a sociedade e o
bem-estar das comunidades. Se tratados como este não respeitarem os
princípios democráticos, então devem ser rejeitados”. Estes são alguns
dos argumentos dos opositores.
Outra das campanhas em curso intitula-se “ Zonas livres do
CETA/TTIP/TISA”. A ferramenta digital proporciona aos munícipes poderem
solicitar às suas câmaras municipais e juntas de freguesia que se
declarem zonas livres destes tratados.
O CETA só pode entrar em vigor com a aprovação de todos os Estados
membros da UE. Por enquanto, o chumbo oficial veio do parlamento
regional belga de Valónia. E em reacção, um grupo de eurodeputados
socialistas, ecologistas e da esquerda subscreveu uma carta aberta
saudando a iniciativa “altamente simbólica e corajosa” que deve ser
apoiada.
“O CETA não é mais do que uma porta de entrada na UE para o conjunto
dos actores económicos dos Estados Unidos, constituindo assim um
verdadeiro cavalo de Tróia do TTIP”, “e pondo em prática os mesmos
princípios de desregulação e de baixa dos padrões que o TTIP”, escrevem
os eurodeputados.
Quem defende o CETA?
Para a CE, o acordo de comércio livre alcançado com o Canadá, “irá
trazer vantagens para os cidadãos e para as empresas – grandes e
pequenas – em toda a Europa a partir do primeiro dia da sua aplicação”.
Jean-Claude Juncker, presidente da CE, defende que “o acordo é o
melhor e mais avançado dos nossos acordos comerciais” e “abre novas
oportunidades às empresas da Europa e, em simultâneo, promove as nossas
exigentes normas em prol dos nossos cidadãos”.
Para os defensores, depois de suprimidos praticamente todos os
direitos aduaneiros, as empresas europeias “vão deixar de pagar centenas
de milhões de euros por ano em direitos, quando importam bens do
Canadá”, reduzindo preços dos produtos e beneficiando os consumidores
europeus”. Também para a Comissária Europeia do Comércio, “irá
contribuir para estimular o crescimento e o emprego”.
Uma das vertentes dos acordos de livre comércio mais
criticada tem sido o sistema de resolução de conflitos. Poderá ser
aberta uma porta jurídica, dando possibilidade às multinacionais de
processarem os Estados por decisões que ponham em causa os seus
interesses.
Dúvidas permanecem e muito está por explicar. Certo é que os tratados
estão a ser negociados sem a participação activa dos portugueses. Para a
Plataforma Não aos Tratados TTIP/CETA/TISA “a inexistência de um debate
público alargado, transparente e democrático, à semelhança do que
ocorre nos outros países, está a impedir a maioria dos cidadãos e
cidadãs de se aperceberem que a resposta à questão chave colocada por
estes tratados irá alterar a sua vida, de forma irreversível”.