27/11/2015

Imagine-se alguns tipos de referendos

Imagine-se que, por obrigação constitucional, o Tratado de adesão ao Euro, tinha que ser obrigatoriamente sujeito a referendo; de modo que a responsabilidade da negação ou da adesão fosse assumida por toda a nação. 
Deste modo, a totalidade da população prontificar-se-ia, com a devida antecedência, a informar-se através da sua participação directa como indirecta, num conjunto de debates e sessões de esclarecimento, em que as partes a favor e contra, digladiariam argumentos, previsões, vantagens e desvantagens, como diria o povo “vendendo cada um o seu peixe”. 

Tudo com a finalidade, de cada um obter a condição de minimamente informado, que lhe permitisse fazer a opção consciente, pelo sim ou pelo não. E seria deste modo, que um assunto desta natureza, deveria ser decidido; nunca através da decisão manipulada de um conjunto de deputados submetidos a interesses políticos e económicos. E então sim, as consequências negativas e positivas do Tratado, poderiam ser assumidas pelo colectivo.

Imagine-se por outro lado, que a Arma da Marinha de Guerra assumia perante o nosso governo, a necessidade urgente da aquisição de dois submarinos de guerra, com o argumento de que seriam necessários à nossa defesa e vigilância territorial. Tal implicaria, duas questões fundamentais a ser ponderadas: os submarinos seriam mesmo necessários para os efeitos pretendidos? O país teria capacidade para suportar o seu custo astronómico? E eu coloco mais uma questão decisiva: uma questão desta natureza que implica um custo enorme para um país pequeno, deve ser decidida por um grupo restrito de pessoas dentro de um governo, ou deve ser decidido pelo povo, que é quem vai ter de pagar? Eu penso, que todo o investimento acima de determinado valor, e que implique endividamento teria de forçosamente de ser votado em referendo. Adquire-se ou não. Se o povo sancionar, está a assumir a divida. Terá de no futuro suportar os sacrifícios inerentes ao pagamento da divida que assumiu. Doutro modo, será como se fosse mais um desfalque que uma élite desautorizada, assume em nome de quem não nunca lhe deu autorização para tal.
Imagine-se também que o nosso governo, delibera no sentido de delinear e preparar um ante-projecto de lei destinado a alterar a legislação do trabalho no tocante a despedimentos e indemnizações. Conhecedores do ónus que tal legislação acarretará aos trabalhadores, as centrais sindicais decidem-se em comum apresentar igualmente uma proposta de lei que se contraponha à proposta governamental, suportada pelo número de assinaturas exigíveis por lei. Perante duas propostas, uma comissão parlamentar tentará naturalmente um entendimento. Se naturalmente, dados os antagonismos em presença, este não for possível, o dirimir da questão só será possível em referendo. Processo no qual, votará uma população preocupada ambivalentemente com a saúde do tecido empresarial e com as condições de estabilidade no emprego determinante para o nível de consumo do país. Poderão neste processo as partes, suavizar as suas posições, incorporando assim nuances nas propostas de lei ou não. Seja como for, na data do referendo será lei a proposta que vencer.
Torne-se a imaginar, imaginando, que um grupo de cidadãos acha fundamental para a sua região e para o país, nova legislação sobre ordenamento florestal. Essas pessoas pensam que, a monocultura de eucalipto é prejudicial ao país e às regiões onde se cultiva intensivamente. Pretendem a obrigatoriedade de intercalar o plantio de espécies nobres de crescimento lento e de zonas de apascentamento de animais entre zonas exclusivas de produção de eucalipto para celulose. Tal é motivo conflituante entre aqueles que pretendem a recuperação rápida dos investimentos silvícolas e o lucro máximo e quem, nomeadamente ambientalistas considerem que o controlo dos incêndios, a exploração de longo prazo de madeiras nobres é também interessante economicamente e socialmente. Será natural que se formem grupos de cidadãos contra e a favor, o que implicará projectos de lei antagónicos. Mais uma vez, numa situação destas não deverá ser o parlamento a decidir, mas sim as populações. E fá-lo-ão certamente no interesse geral, não de um grupo de interesse em concreto.
Como imaginação não nos falta, pensemos num círculo eleitoral em que a votação seja plurinominal, mas que só eleja um deputado ao parlamento. Eleições ordinárias, de periodicidade quadrienal, em que se eleja um determinado individuo como representante das aspirações e sentir desse conjunto de pessoas. Mas como não existe nada na vida, totalmente garantido, ao fim de algum tempo o descontentamento das pessoas em relação ao seu representante no hemiciclo cresce, por motivos que não importa sublinhar e a fractura entre o eleito e os eleitores agrava-se ao ponto de estes convocarem um referendo local, que visa a sua impugnação e destituição. E evidencie-se que a arma do referendo assume nesta situação, um papel de ameaça e controlo permanente sobre o eleito. Este não deverá esquecer-se, que representa os seus eleitores, não o seu partido, não os seus amigos, não os interesses que o aliciem. Nesta situação a vontade soberana do povo, incide como um castigo, sobre alguém que não mereceu a sua confiança, e na qual a arma do referendo é utilizada para impugnar e destituir.
Poderá existir, quem me venha a acusar de imaginação desenfreada, mas um pensamento convosco partilho: só no dia em que este povo a que pertencemos, possuir a capacidade e o poder de decidir, ganhará a chance de decidindo sobre o seu futuro, criar uma sociedade de oportunidade e de riqueza para a generalidade dos portugueses.
Até lá, teremos de viver Natais sobre Natais, em que a ganância de poder e dinheiro de alguns, se sobrepõe ao bem estar e sobrevivência de muitos.