10/11/2016

Será o Web Summit aquilo que pensa?

A regra de ouro para sair de um buraco é parar de cavar, como não paramos vamos continuar a enterrar-nos, a comer terra e a dizer que não sabe bem até enchermos os pulmões com ela. Um dos principais problemas que enfrentamos é de facto este desconhecimento consentido, a ignorância absurda de que o senso comum chega para debatermos um assunto, ou fazer dos argumentos e retóricas de terceiros a nossa defesa. A equidistância para se falar abertamente de um assunto é quase impossível, ou se está contra ou se está a favor. 

Este raciocínio medíocre é o reflexo daquilo que todos nós estamos a produzir enquanto sociedade intelectual e por inerência economicamente e socialmente. É este o caminho que queremos? A maioria o dirá como sempre.

O Web Summit é o caso perfeito disto. Quem sabe de facto o que é este invento? 

Quem é que de facto alguma vez criou e levou os intelectuais “business plans” de empresas para apresentar aos “business angels”? Quem é que de facto alguma vez fez o chamado “pitch”? Pitch, outro termo intelectual adoptado para dizer “Apresentação”. Quem é que de facto financiou alguma empresa assim? Quem é que de facto sabe como tudo isto se processa, o que é preciso e o que os investidores procuram? Não só aqui? Quem é que de facto já teve contacto com este mundo? Quem é que já teve de percorrer os bastidores de tudo isto e mais daquilo que orbita? Não do que se vê, do que está por detrás do pano? Cada um responde em consciência. 

 
Isto é uma feira que alia a vertente tecnológica ou alta tecnologia a um qualquer negócio, criando assim empresas de roupa, de jóias, calçado, etc. tendo como base a tecnologia. Não muito diferente de uma feira automóvel, de móveis, ou de outra coisa qualquer coisa que se queira imaginar deste tipo. Alguém acredita que a “Davos Summit” faz algo que não seja em proveito dos organizadores e patrocinadores? Só quem não conhece ou não se quis informar sobre tal. Isto é diferente porquê? Não é, chama-se “Davos for the Geeks”, auto-apelidação no próprio site já agora. Só para ficarmos cientes de uma coisa, mais de 90% dos negócios que ocorrem nesta feira são feitos fora dela, por estrangeiros e são poucos os “businesses” que se fazem. Um motivo para isto ser verdade?

Tem 25 milhões ou o montante que quiser, venera o seu dinheiro, agora pergunte se os “enterrava” numa empresa que não conhece, cujos números vê pela primeira vez e que são credíveis até onde for a boa fé. É preciso tempo, é preciso verificar, isto não são políticos com cheques assinados em branco pelos contribuintes, a não ser que seja um banco e também cá estão. Ninguém quer perder dinheiro, “para isso fico em casa e não estou aqui a perder tempo”. Se só for uma ideia, sem números já concretizados esse tempo cresce exponencialmente.

Temos se calhar o lucro de ter sido o nosso vinho a abrir-lhes o espírito para fecharem a negociata. Alguém sabe de facto que a UBER “nasceu” assim na cimeira de Dublin, depois de uns copos? O que se procura é isto, “UBERS”, os chamados unicórnios, empresas em que invisto 25 milhões de euros agora e passados 5 anos já “valem” mais de 50 mil milhões de euros. Foi em 2011 que teve direito à “aceleradora”, hoje vale quase o mesmo que 1/3 do PIB Português. O negócio foi feito quando ainda só estava em 3 cidades, vejam como a Irlanda cresceu com isso, vejam os impostos pagos e os empregos criados. Já vos disse que a sede da UBER não é lá nem nunca foi? Em 2015 LUCROU quase 1 milhão de libras em Inglaterra, pagou 22 mil libras de impostos. Vale à Irlanda ter sido a cama onde se criou o melhor unicórnio dos últimos 15 anos de certeza, embora poucos saibam sequer disso. Poucos sabem também que em Maio de 2015 a UBER criou uma subsidiária chamada UBER INTERNATIONAL C.V que passou a ser detentora das outras subsidiárias estrangeiras. Onde? No paraíso fiscal holandês. 

Foi montado um esquema de “optimização fiscal” (fuga aos impostos em português corrente) muito semelhante ao da Google e Facebook, a maior diferença é que ironicamente a UBER deixou a Irlanda de fora do circuito. Já estamos sintonizados? Não? A UBER é o maior investimento alguma vez feito pelo Fundo de Investimento da Google. Em 2014 a Goldman Sachs investiu 1.6 biliões de doláres na empresa, em 2015 é criada a tal subsidiária offshore com 3 bancários a deixarem o banco para integrarem a administração da UBER INTERNATIONAL C.V. A imagem provavelmente diz o resto.

Mesmo que exista um unicórnio português, nenhum investidor deixaria a sua nova “estrela” neste inferno empresarial. As que estão e podem piram-se, mas as novas ficam? Só imaginando e com boa vontade. Depois as queixinhas por causa da exploração laboral, horários abusivos, vencimentos que mais parecem senhas de alimentação, da precariedade e tudo mais só fica bem a piegas como nós. Até porque empresas à base tecnológica criam poucos empregos. Porquê? Exactamente porque são de base de tecnológica. Se a UBER não sub-contratasse empresas que por sua vez recrutam pessoas de forma barata, não conseguia atingir este patamar tão depressa, nem os que se que seguem. Mas se não fosse assim o modelo de negócio nunca teria tido o financiamento, garantidamente. Os investidores querem é isto e se for mais rápido melhor ainda. O problema não é onde se chega, é como lá se chega. Se imaginarmos o futuro, só com empresas à imagem disto como nos vendem, como será? Mas se é assim que querem o amanha, que seja. É se contra a UBER por causa deste óbvio? Só que os mesmos que pedem este caminho são os mesmos que não querem ser precários, porque na realidade ninguém quer trabalhar assim, mas na realidade também não podem ter as duas coisas.

O nosso país é pouco atractivo para o investimento por muitos motivos, não vai ser uma feirazinha multi-milionária com bilhetes milionários em que existem lounges no qual servem gins tamanho aquário, enquanto se sociabilizam e falam na “next big thing” que vai alterar isso, ou sequer começar. Existem leis fiscais de tal complexidade, que a Autoridade Tributária tem que fazer resumos explicativos das leis que são publicadas em Diário de República. Depois dos resumos seguem as notas explicativas para as repartições de finanças entenderem o quer que seja, só para 6 meses depois mudarem qualquer coisa, ou tudo. A república portuguesa investiu milhões de euros num evento em que o bilhete com mais permissões, que não seja só entrar, custa mais que dois ordenados mínimos. Se alinharmos pela média salarial, é quase uma vez e meia. Ainda acha que estes eventos são para os portugueses? Mas acredite na narrativa de que é bom, os entendidos só disseram que o ROI disto demora entre 7 e 10 anos para chegar, mas depois vemos para quem. E falando em ROI, a UBER conseguiu uma valorização superior a 1000% em 5 anos, os nossos milhões andam ser mal investidos, a UBER já provou isso. Vale que governo vai disponibilizar 200 milhões para start-up’s e cito António Costa - "O Estado põe 200 milhões de euros mas quem decide a sua aplicação são os investidores internacionais ou nacionais que escolhem as melhores empresas". Enquanto todos os outros forem sempre mais inteligentes que nós por imposição e nada mais que isso vamos continuar a pagar as consquências.

Para terminar, achar que é normal e até aceitável recrutar voluntários para realizar eventos multi-milionários deste tipo, só porque têm direito a entrar e a sorte de aqui estar, não é cavar de pá, é de retro-escavadora e das grandes mas depois queixem-se que são explorados.