A
Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA), fez "copy paste"
de parágrafos inteiros de um relatório da maior produtora do herbicida
glifosato para que possa ser renovada a licença de venda na Europa
Parágrafos inteiros de dezenas de
páginas de um relatório da empresa Monsanto — a principal produtora
mundial de glifosato (RoundUp), um herbicida muito usado na agricultura e
em jardins públicos) — foram alegadamente “decalcadas” pela Autoridade
Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA) para elaborar o que seria
supostamente um relatório científico independente sobre os efeitos deste
químico na saúde humana.
No ano passado, um estudo da Agência
Internacional de Investigação para o Cancro da Organização Mundial de
Saúde (OMS) identificou a substância como “potencialmente cancerígena”,
mas a EFSA considerou não haver tais indícios.
O escândalo
rebentou esta semana, quando movimentos ecologistas conseguiram aceder
aos relatórios da EFSA e da Monsanto, montando todas as peças do puzzle.
“Depois
de muita pressão pública na União Europeia, a Monsanto foi obrigada a
disponibilizar toda a informação incluindo estudos e decisões”, explica
Margarida Silva, investigadora que tem liderado o movimento
anti-glifosato em Portugal. A bióloga sublinha que “publicamente a EFSA
sempre assumiu que fez uma avaliação independente das evidências
disponíveis”. Contudo, o “Glifosato gate”, representa agora “uma brecha
notável na relação de confiança que liga público e responsáveis técnicos
e políticos a nível europeu ao expor a falta de independência”.
Em
junho, a autoridade europeia argumentou que “todos os estudos
científicos seriam escrutinados pelos técnicos da UE tendo em conta a
sua relevância e confiança quanto ao risco”. Porém, o relatório final do
regulador inclui passagens inteiras idênticas às que constam no que foi
apresentado pela “task force” liderada pela Monsanto para obter a
renovação da licença para continuar a vender a substância no espaço
comunitário. Estas passagens incluem informação sobre a relação entre o
glifosato e a mutação de células associadas a doenças cancerígenas ou
reprodutivas.
“Este caso leva-nos a pôr em causa todo o processo
de aprovação de pesticidas feito na UE, já que o regulador deixa nas
mãos da indústria uma avaliação que devia ser o próprio a fazer”,
critica Franziska Achterberg, diretora do departamento da Greenpeace
para as políticas alimentares na UE.
Em sua defesa, a Efsa
argumenta que mantém uma “política independente, equilibrada e robusta” e
que o relatório elaborado pela entidade alemã BfR para ser apreciado
pelo regulador se baseou “em estudos e literatura científica
disponíveis”.
“Independentemente de se dever a uma negligência ou
a uma intenção deliberada, este relatório é completamente inaceitável”,
sublinha Franziska Achterberg.
Em junho de 2016, a Comissão
Europeia decidiu prolongar por ano e meio a licença de uso do
controverso herbicida que divide posições dentro a UE — a França votou
contra; Portugal, Alemanha, Itália e Áustria optaram pela abstenção.
Na
altura, a Comissão argumentou que "os Estados-Membros não estavam
preparados para assumir a responsabilidade por uma decisão sobre esta
substância ativa" e com base no que disse ser “uma avaliação científica
extremamente exaustiva e rigorosa da substância ativa realizada pela
EFSA e agências nacionais dos Estados-Membros", assumiu prorrogar a
aprovação da venda de glifosato entre 1 de julho e 31 de dezembro de
2017.
O glifosato é a substância mais usada no mundo para queimar
ervas daninhas em espaços agrícolas e em espaços urbanos e caminhos, e o
seu uso foi autorizado na União Europeia em 2002. Desde 2012 que a
renovação da licença tem estado sob avaliação.
por Carla Tomás