27/12/2015

Como é que 19 grandes multinacionais planeiam ganhar dinheiro com a crise climática

De acordo com algumas das maiores empresas do mundo, futuros desastres também podem apresentar oportunidades de negócios lucrativos. Artigo de Jeremy Schulman, publicado em Mother Jones, traduzido por Mariana Carneiro para o Esquerda.net.
As alterações climáticas terão consequências aterradoras. Os peritos já previram de tudo, desde ondas de calor mortais e inundações devastadoras à queda da produção agrícola e até mesmo aumento da instabilidade política e violência. Mas, de acordo com algumas das maiores empresas do mundo, esses desastres futuros podem também apresentar oportunidades de negócios lucrativos.

Numa notável compilação de documentos entregues a uma organização sem fins lucrativos com sede em Londres chamada CDP, grandes empresas descrevem o aquecimento global como uma oportunidade para vender mais armamento para as forças armadas, mais aparelhos de ar condicionado para os civis em sufoco, e mais medicamentos para as pessoas atingidas por doenças tropicais. 


A CDP, que significa "Carbon Disclosure Project", pede às empresas de todo o mundo que divulguem informações sobre as suas emissões de gases de efeito estufa e sobre como a mudança climática terá impacto nas suas operações. A cada ano, milhares de empresas enviam as suas respostas. Abaixo, compilamos uma lista de alguns dos mais marcantes e, em alguns casos, perturbadores, cenários colocados por essas empresas.

É importante ter em conta que estas empresas não anseiam pelo aquecimento catastrófico. Nos mesmos documentos, assinalam enormes riscos que a mudança climática representa para a humanidade - e para os seus lucros. Muitas também tomaram medidas significativas para reduzir as suas próprias emissões de carbono. Ainda assim, o facto de as empresas terem passado muito tempo a pensar sobre as oportunidades de negócios que podem surgir com o aquecimento global ressalta o quão colossal será o efeito de uma mudança climática nas nossas vidas.

Defesa e vigilância das fronteiras

Os republicanos recentemente ridicularizaram o presidente Barack Obama e o senador Bernie Sanders por estes dizerem que a mudança climática representa uma ameaça à segurança nacional. Mas os políticos democratas não são os únicos que fazem esta ligação. Em 2014, a CNA Military Advisory Board, um grupo de generais e almirantes norte-americanos aposentados, advertiu que o impacto do aquecimento global "vai servir como catalisador de instabilidade e conflito". Saab, uma empresa de defesa sueca (e ex-empresa mãe da fabricante de automóveis em dificuldade), concorda. No documento enviado à CDP, a empresa cita o relatório do CNA e acrescenta que a mudança climática pode "induzir mudanças nos recursos naturais como a água, petróleo, etc, que podem resultar em conflitos no interior dos países já instáveis", bem como a desflorestação e pesca ilegal e tráfico de droga. 

A Saab vê esses perigos como uma oportunidade de negócio que irá resultar num "aumento do mercado de soluções de segurança civil e militar." Como exemplo, a empresa aponta o seu Sistema de Radar Erieye, que "trabalha num ambiente denso de guerra eletrónica hostil" e é "capaz de identificar amigos ou inimigos".

Raytheon, o fornecedor de serviços de defesa com sede em Massachusetts, advertiu num documento enviado à CDP em 2012 que a mudança climática pode "causar desastres humanitários, contribuir para a violência política, e minar governos fracos". A empresa escreveu que espera assistir ao aumento da "procura pelos seus produtos e serviços militares à medida que vão surjindo problemas de segurança na sequência das secas, inundações e tempestades que resultam da mudança climática". A United Technologies Corporation, com sede em Connecticut, cita argumentos que assinalam que uma seca devastadora contribuiu para a instabilidade na Síria. A multinacional refere que helicópteros fabricados pela sua empresa Sikorsky (que já foi vendida à Lockheed Martin) foram "mobilizados durante deslocamentos populacionais e crises humanitárias", e que, no ano passado, apoiou os esforços militares dos EUA para "mitigar deslocamentos populacionais na Síria". 

Cobham, uma empresa britânica que fabrica sistemas de vigilância, afirmou num documento da CDP de 2013 que "as mudanças nos recursos e habitabilidade dos países [sic] poderiam aumentar a necessidade de vigilância das fronteiras, devido à migração da população".

Segurança face a "conflitos sociais"

Empresas de segurança privada também veem oportunidades nas alterações climáticas. A G4S, uma empresa com sede em Londres, que opera em todo o mundo, disse que à CDP que o clima extremo é uma fonte potencial de negócios. A empresa implantou centenas de agentes de segurança para proteger os seus clientes após o furacão Katrina, e enviou representantes para o Nordeste na sequência da super tempestade Sandy. A G4S também vê oportunidades financeiras na resposta a desastres humanitários, tais como secas e fome no mundo em desenvolvimento. Atualmente, a empresa fornece serviços de segurança nos campos de refugiados no Quénia, que são o lar de centenas de milhares de pessoas, incluindo muitos que fugiram de conflitos e à seca. A G4S diz as Nações Unidas "estimam que o planeta terá 50 milhões de refugiados ambientais". (Aparentemente, as Nações Unidas recuaram nesta previsão particular; de acordo com o seu Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas [PDF], "não há estimativas globais consistentes de deslocamento futuro").

Monitorização, resposta, e reconstrução face a eventos climáticos extremos

De acordo com a Raytheon, os possíveis impactos da mudança climática, incluindo furacões, tornados, tempestades severas, e elevação dos mares - poderiam apresentar oportunidades para vender os seus "serviços de satélites meteorológicos, radares e tecnologias de detecção, resposta a desastres, segurança interna, e comunicações de emergência, bem como tecnologias de energia alternativa". Cobham antecipa oportunidades de fornecimento de câmaras para monitorizar inundações repentinas, "grandes antenas" para condições climáticas extremas, e sistemas de comunicação de emergência para "áreas onde as tempestades severas destruíram infraestruturas de comunicações". A 3M, empresa com base no Minnesota, diz que vende uma série de produtos que podem ser usados para proteger edifícios durante condições meteorológicas extremas e para reconstruir depois de uma tempestade.

Vias de navegação e viagens

Um dos desenvolvimentos climáticos mais marcantes nos últimos anos tem sido a abertura de rotas de navegação do Ártico que já estiveram obstruídas pelo gelo do mar durante todo o ano. A Hanjin, uma grande empresa de transporte sul-coreana, reconheceu num documento da CDP de 2014 que uma nova rota polar seria uma "consequência trágica" da mudança climática. Mas a empresa acrescentou que o derretimento do Ártico também traria benefícios ambientais e financeiros: permitiria ao setor marítimo "reduzir drasticamente as emissões de CO2 e reduzir o tempo de viagem em 1/3".

O aquecimento global pode ter alguns benefícios para as empresas que se especializam no transporte de turistas, também. De acordo com a Carnival, “a mudança na temperatura média poderia abrir novas rotas e portos" para os seus navios de cruzeiro, enquanto que "alterações na precipitação [podem] tornar alguns portos mais atraente".

Extração de mais petróleo

As empresas de energia há muito tempo que encaram o degelo no Ártico como uma oportunidade para extrair petróleo e gás anteriormente inacessíveis. Isso não tem funcionado bem até agora. Em setembro, a Royal Dutch Shell anunciou que estava a terminar o seu dispendioso projeto de exploração no Ártico. Mas a Chevron ainda está otimista. "Se a tendência atual de aquecimento global for sustentada, o acesso e a economia da produção de petróleo e gás da Chevron no ártico poderá melhorar", afirma a companhia petrolífera com sede na Califórnia, no seu documento da CPD. "Os maiores efeitos estarão associados a uma extensão para o período de funcionamento de verão, que tendem inicialmente a favorecer o acesso e os custos das operações de exploração em muitas bacias árticas".

Proteção face a ondas de calor mortais

Num relatório do ano passado, um painel copresidido pelo ex-autarca de Nova York Michael Bloomberg, o bilionário ambientalista Tom Steyer, e o ex-secretário das Finanças Henry Paulson advertiram sobre os riscos colocados por temperaturas mais elevadas:

Em meados deste século, o americano médio provavelmente vai ter mais 27 a 50 dias com temperaturas de mais de 35°C a cada ano – duas ou três vezes mais do que aquilo que tem sido registado nos últimos trinta anos. Até o final deste século, esse número provavelmente vai chegar a mais 45 a 96 dias com temperaturas acima dos 35°C a cada ano, em média.

Essa é uma oportunidade para a United Technologies, que, além dos produtos de defesa, fabrica ar condicionado, refrigeração e sistemas de eficiência energética. "Anualmente, os eventos de calor extremo matam mais americanos do que quaisquer outros eventos relacionados com o meio ambiente, e um aumento dos eventos climáticos extremos, como resultado da mudança climática, está previsto para muitas partes do mundo", afirma a empresa. "A UTC acredita que mudanças em temperaturas extremas irá resultar numa necessidade de edifícios e outras estruturas energeticamente mais eficientes, especialmente refrigeradores e unidades de refrigeração ... Prevemos que essa procura seja global, com fortes aumentos em zonas tropicais e algumas zonas temperadas". 

De acordo com a UTC, "as vendas de ar condicionado aumentaram mais de 20% por década no mundo em desenvolvimento entre 1990-2010, em resposta ao aumento das temperaturas e aumento da riqueza". A UTC acredita que essas tendências podem levar a 5 mil milhões de dólares face a um novo aumento da procura nas próximas duas décadas. A Halliburton também vê oportunidades relacionadas. A empresa de serviços petrolíferos afirma que poderá registar um aumento das receitas face ao aumento da necessidade de recursos energéticos para "aumentar a refrigeração e/ou o aquecimento".

Combater a queda da produção agrícola e a fome

Os especialistas alertaram que o aumento das temperaturas e mudanças nos padrões das chuvas podem reduzir o rendimento das colheitas em partes vulneráveis do mundo, tornando difícil alimentar uma população em crescimento. As empresas de biotecnologia estão a concorrer para desenvolver produtos que resolvam este problema. A Monsanto, por exemplo, diz que os seus produtos poderiam ajudar os agricultores a "responder ao aumento das necessidades alimentares à medida que os recursos naturais disponíveis tornam-se mais limitados”. 

A Bayer observa que a sua divisão de ciências da colheita está a usar “abordagens químicas e modernas de aperfeiçoamento de plantas” para resolver os danos agrícolas que se prevê serem causados por "um aumento da ocorrência de eventos climáticos extremos, como inundações, secas, calor, frio e tempestades”.

Do lado dos consumidores, a Campbell Soup Company identifica "crescentes necessidades humanitárias" relacionadas com o clima como uma oportunidade significativa - que vai permitir à empresa "alavancar os seus ativos principais para proporcionar resposta a essas necessidades". Além de doar dinheiro e comida diretamente às causas humanitárias, a Campbell destaca um programa atual, em que uma das suas marcas doa um batido para uma criança carente por cada quatro smoothies que vende. Segundo a Campbell, este tipo de promoções "pode render milhões de dólares à empresa".

Combater doenças relacionadas com o clima

As alterações climáticas representam uma série de graves riscos para a saúde pública, e a indústria farmacêutica deu, certamente, conta disso. A Walmart, por exemplo, acredita que poderá enfrentar uma procura crescente por medicamentos prescritos devido ao "aumento da exposição ao pólen ou problemas de saúde causados pelas alterações climáticas" (o grupo tem o cuidado de referir que vê sobretudo a mudança climática, que um porta-voz apelida de "desafio urgente e urgente", como um risco).

Várias empresas farmacêuticas acreditam que o aumento das temperaturas, a alteração dos padrões de precipitação, e a degradação das condições meteorológicas extremas poderão aumentar a propagação de doenças tropicais que são transmitidas por mosquitos, como a malária e o dengue. No seu documento da CDP, a Bayer cita uma estimativa que aponta que a mudança climática poderá resultar num aumento de 40 milhões a 60 milhões de pessoas que estão a ser expostas [PDF] a estas doenças. A empresa prevê o aumento da procura pelos seus mosquiteiros e outros produtos de controlo do mosquito, especialmente se a malária atingir o mundo desenvolvido. 

A GlaxoSmithKline também prevê que as alterações climáticas poderão afetar a procura pelos seus produtos anti-malária e observa que, se "as vendas da empresa subirem 1%, o seu volume de negócios crescerá cerca de £ 300 milhões [cerca de 446 mil dólares]”. Um porta-voz da GSK acrescentou, no entanto, que a empresa está a desenvolver uma vacina contra a malária que irá oferecer às crianças africanas a um "preço sem fins lucrativos", e que, em algumas situações, as mudanças climáticas poderão, na verdade, reduzir a procura por produtos da empresa.

A Novartis, que produz vários medicamentos para a malária e o dengue, aponta que forneceu milhões de doses para as autoridades de saúde de África a um preço sem fins lucrativos. Mas, como refere a empresa, "as empresas que vendem esses medicamentos vão tornar-se mais rentáveis se as doenças se espalharem para países mais desenvolvidos e mais ricos”. Um grupo de especialistas duvida que tal aconteça, pelo menos no caso da malária. Eles argumentam que fatores como o desenvolvimento económico e a infraestrutura de saúde pública são muito mais importantes do que o clima no controlo da malária. 

Ao ser confrontado com um pedido de esclarecimentos, um porta-voz da Novartis afirmou que temperaturas mais elevadas e o agravamento de fenómenos climáticos face à mudança do clima poderá "levar a grandes inundações, crises e desafios sociais, o que poderá permitir que doenças vetoriais se espalhem ainda mais". Ainda assim, acrescentou, a Novartis concorda que é pouco provável que a malária se espalhe pelo mundo desenvolvido.

As empresas farmacêuticas também enumeram outras ameaças para a saúde. A GSK adverte que a mudança dos padrões de precipitação e o aumento dos eventos climáticos extremos poderão "afetar a propagação de doenças transmitidas pela água" e respiratórias e doenças diarreicas, criando a necessidade de "uma maior prevenção de doenças e mais tratamentos de doentes". Estes problemas poderão ser especialmente graves nos países mais pobres, de acordo com o porta-voz da GSK. No seu relatório à CDP, a Merck diz que está a investigar os impactos negativos que as temperaturas mais elevadas poderão ter sobre as vacinas.

Gelados!

O aumento das temperaturas não aumenta apenas a procura por unidades de ar condicionado e melhores vacinas. De acordo com a Nestlé, também pode impulsionar as vendas de "produtos refrescantes, como gelados e água engarrafada”. A Nestlé observa que, em 2014, a Terra experimentou o seu verão mais quente de que há registo (até 2015, pelo menos) e que uma série de concessionárias locais da empresa tiveram um bom desempenho nesse ano. Então, que impacto tem o calor? "O aumento da procura por água engarrafada e gelados, resultante do aumento da temperatura, pode traduzir-se em vendas adicionais de CHF 100 milhões por ano", diz a Nestlé. No caso de não estar familiarizado com a taxa de câmbio para francos suíços, trata-se de cerca de 100 milhões de dólares.