Imagine-se
que, por obrigação constitucional, o Tratado de adesão ao Euro,
tinha que ser obrigatoriamente sujeito a referendo; de modo que a
responsabilidade da negação ou da adesão fosse assumida por toda a
nação.
Deste modo, a totalidade da população prontificar-se-ia,
com a devida antecedência, a informar-se através da sua
participação directa como indirecta, num conjunto de debates e
sessões de esclarecimento, em que as partes a favor e contra,
digladiariam argumentos, previsões, vantagens e desvantagens, como
diria o povo “vendendo cada um o seu peixe”.
Tudo com a
finalidade, de cada um obter a condição de minimamente informado,
que lhe permitisse fazer a opção consciente, pelo sim ou pelo não.
E seria deste modo, que um assunto desta natureza, deveria ser
decidido; nunca através da decisão manipulada de um conjunto de
deputados submetidos a interesses políticos e económicos. E então
sim, as consequências negativas e positivas do Tratado, poderiam ser
assumidas pelo colectivo.
Imagine-se
por outro lado, que a Arma da Marinha de Guerra assumia perante o
nosso governo, a necessidade urgente da aquisição de dois
submarinos de guerra, com o argumento de que seriam necessários à
nossa defesa e vigilância territorial. Tal implicaria, duas questões
fundamentais a ser ponderadas: os submarinos seriam mesmo necessários
para os efeitos pretendidos? O país teria capacidade para suportar o
seu custo astronómico? E eu coloco mais uma questão decisiva: uma
questão desta natureza que implica um custo enorme para um país
pequeno, deve ser decidida por um grupo restrito de pessoas dentro de
um governo, ou deve ser decidido pelo povo, que é quem vai ter de
pagar? Eu penso, que todo o investimento acima de determinado valor,
e que implique endividamento teria de forçosamente de ser votado em
referendo. Adquire-se ou não. Se o povo sancionar, está a assumir a
divida. Terá de no futuro suportar os sacrifícios inerentes ao
pagamento da divida que assumiu. Doutro modo, será como se fosse
mais um desfalque que uma élite desautorizada, assume em nome de
quem não nunca lhe deu autorização para tal.
Imagine-se
também que o nosso governo, delibera no sentido de delinear e
preparar um ante-projecto de lei destinado a alterar a legislação
do trabalho no tocante a despedimentos e indemnizações.
Conhecedores do ónus que tal legislação acarretará aos
trabalhadores, as centrais sindicais decidem-se em comum apresentar
igualmente uma proposta de lei que se contraponha à proposta
governamental, suportada pelo número de assinaturas exigíveis por
lei. Perante duas propostas, uma comissão parlamentar tentará
naturalmente um entendimento. Se naturalmente, dados os antagonismos
em presença, este não for possível, o dirimir da questão só será
possível em referendo. Processo no qual, votará uma população
preocupada ambivalentemente com a saúde do tecido empresarial e com
as condições de estabilidade no emprego determinante para o nível
de consumo do país. Poderão neste processo as partes, suavizar as
suas posições, incorporando assim nuances nas propostas de lei ou
não. Seja como for, na data do referendo será lei a proposta que
vencer.
Torne-se
a imaginar, imaginando, que um grupo de cidadãos acha fundamental
para a sua região e para o país, nova legislação sobre
ordenamento florestal. Essas pessoas pensam que, a monocultura de
eucalipto é prejudicial ao país e às regiões onde se cultiva
intensivamente. Pretendem a obrigatoriedade de intercalar o plantio
de espécies nobres de crescimento lento e de zonas de apascentamento
de animais entre zonas exclusivas de produção de eucalipto para
celulose. Tal é motivo conflituante entre aqueles que pretendem a
recuperação rápida dos investimentos silvícolas e o lucro máximo
e quem, nomeadamente ambientalistas considerem que o controlo dos
incêndios, a exploração de longo prazo de madeiras nobres é
também interessante economicamente e socialmente. Será natural que
se formem grupos de cidadãos contra e a favor, o que implicará
projectos de lei antagónicos. Mais uma vez, numa situação destas
não deverá ser o parlamento a decidir, mas sim as populações. E
fá-lo-ão certamente no interesse geral, não de um grupo de
interesse em concreto.
Como
imaginação não nos falta, pensemos num círculo eleitoral em que a
votação seja plurinominal, mas que só eleja um deputado ao
parlamento. Eleições ordinárias, de periodicidade quadrienal, em
que se eleja um determinado individuo como representante das
aspirações e sentir desse conjunto de pessoas. Mas como não existe
nada na vida, totalmente garantido, ao fim de algum tempo o
descontentamento das pessoas em relação ao seu representante no
hemiciclo cresce, por motivos que não importa sublinhar e a fractura
entre o eleito e os eleitores agrava-se ao ponto de estes convocarem
um referendo local, que visa a sua impugnação e destituição. E
evidencie-se que a arma do referendo assume nesta situação, um
papel de ameaça e controlo permanente sobre o eleito. Este não
deverá esquecer-se, que representa os seus eleitores, não o seu
partido, não os seus amigos, não os interesses que o aliciem. Nesta
situação a vontade soberana do povo, incide como um castigo, sobre
alguém que não mereceu a sua confiança, e na qual a arma do
referendo é utilizada para impugnar e destituir.
Poderá
existir, quem me venha a acusar de imaginação desenfreada, mas um
pensamento convosco partilho: só no dia em que este povo a que
pertencemos, possuir a capacidade e o poder de decidir, ganhará a
chance de decidindo sobre o seu futuro, criar uma sociedade de
oportunidade e de riqueza para a generalidade dos portugueses.
Até
lá, teremos de viver Natais sobre Natais, em que a ganância de
poder e dinheiro de alguns, se sobrepõe ao bem estar e sobrevivência
de muitos.
por Octavio Serrano para o RiseUp Portugal