Caso
se abrisse uma porta verdadeira, no sistema politico, no sentido de
permitir a real participação cidadã, na proposição de
legislação, seria um acto de progresso institucional,
verdadeiramente marcante.
Para
muitos ainda, tal proposta é fonte de perplexidade e confusão;
“olha agora, como é que o povo tem capacidade de fazer leis, ou de
as criticar”; “isso deve ser deixado para quem tem cabeça para
isso, e perceba do assunto”; “já temos tanto problema, ainda nos
tínhamos de preocupar com mais esses”; e pensamentos quejandos.
Mas
o que está aqui em causa, não será exigir a cada português, que
se transforme num “doutor” em leis.
O que na realidade está aqui
em questão, será a necessidade de impedir a existência de
exclusividade legislativa atribuída, aos poderes legislativo e
executivo, os quais estão comprovadamente controlados por grupos
económicos, financeiros e politicos. O que se propõe, será uma
abertura total dessa exclusividade à sociedade, de modo a que o
poder de fazer leis, deixe de ser refém de interesses.
E quando se
fala de sociedade interessada, refere-se a todo e qualquer cidadão,
a todo ou quaisquer grupo ou movimento. E a prerrogativa atribuída,
será a de permitir à iniciativa cidadã, a proposição de
legislação nova, ou de possuir a capacidade de apresentar correcção
ou contraproposta, à que está em debate ou mesmo em vigor.
E
para aqueles, que na sua confusão quanto ao assunto, pensam tal ser
utópico e impraticável, nomeadamente por não ser possível
universalizar o conceito, afirmo não ser verdade. Imagine-se…
O
Estado disponibilizava uma plataforma baseada na Internet, onde
estaria baseada uma base de dados, na qual qualquer cidadão poderia
registar uma ideia nova, referente a legislação. E quando digo, um
cidadão, também me refiro a grupos, a movimentos, associações
fossem de caracter formal ou informal, ou ser de âmbito local ou
nacional. Neste primeiro nível, o objectivo seria permitir e
garantir, universalidade de proposição de ideias sobre legislação.
Registada
a ideia, tal patente, esta ficaria disponível a acesso universal,
juntamente com todas as outras, por determinado período. A bondade e
a necessidade dessa ideia, seria então comprovada pela real adesão
e apoio por outrem, que poderiam ser grupos informais ou formais, à
mesma. O passo decisivo seguinte, seria transformar a ideia em
proposta de lei. E tal só seria possível, caso a “ideia original”
registada, recolhesse o número de apoios necessário e suficiente
para tal. O sistema funcionaria nesta fase, como instrumento de
recolha oficial de assinaturas permitindo não só cumprir as
exigências legais quanto a este aspecto, como também permitir a
subida de patamar.
Cumpridos
requisitos de apoio, entrar-se-ia na fase de discussão pública. E a
ideia original, teria nesta fase de ser transformada, pelos seus
apoiantes, em proposta de lei. E como proposta, estaria desde logo
sujeita a fomentar o aparecimento de contra-propostas, ou de pedidos
de alteração ou correcção. Seria uma fase, em que os grupos
proponentes teriam a oportunidade de consolidar e cristalizar os
conceitos, as normas e as redações. A conciliação entre
diferentes correntes de apoio, poderia ser ou não possível, mas tal
não seria de modo algum negativo, por permitir e promover a
diversidade e a optimização do nascituro legislativo. Decorrida a
temporalidade necessária, estaria(m) a(s) proposta(s) legislativa(s)
pronta(s), para serem entregues à Assembleia legislativa e aos
órgãos institucionais de fiscalização preventiva.
Comprovada
a constitucionalidade e regularidade técnica da proposta, a
Assembleia teria de imediato de agendar a sua discussão e debate;
poderia ser votada sem alterações, ou ser delineada pela própria
Assembleia contra-proposta correctiva ou alternativa. A aprovação
imediata, transformá-la-ia de imediato em lei; o pedido de alteração
ou apresentação de proposta alternativa, induziria uma conciliação
entre os proponentes e a assembleia, que se infrutífera,
encaminharia o processo para decisão em referendo. Utensilio
constitucional soberano, decisivo e final.
Para
finalizar não posso deixar de dar noticia, de um referendo que se
realizou recentemente na Suiça, e que é perfeitamente demonstrativo
das potencialidades das iniciativas legislativas cidadãs, e
concomitantemente da ferramenta soberana do referendo.
Um grupo
de cidadãos decidiu promover uma alteração legislativa, que
propunha que as turmas escolares, não pudessem ter mais de 20
alunos, a fim de melhorar a qualidade do ensino; o governo,
argumentou que esta proposta seria excessivamente onerosa, e veio
propor contra-proposta , que consistia na manutenção das turmas com
mais de vinte alunos, mas garantindo-se o aumento da qualidade do
ensino, com a adição de um professor suplementar, nas condições
em que tal fosse justificável. Dada a inconciliabilidade das
propostas, foram as mesmas a referendo. A população soberanamente,
optou pela proposta governamental neste caso.
O
sublinhar desta história, serve simplesmente para desmistificar
junto do leitor, o conceito das iniciativas legislativas do cidadão
como um processo complicado. No caso exposto, não foi conseguido o
que o movimento de cidadãos pretendia, mas conseguiu-se um
meio-termo, que constituiu um progresso em relação ao que se tinha
anteriormente.
por Octávio Serrano para o RiseUp Portugal