06/12/2015

Iniciativa Legislativa do Cidadão - Uma Miragem

Iniciativa Legislativa do Cidadão. A sigla, ILC, perpassa de quando, em vez diante dos nossos olhos. 
Muitas vezes, sob o feitio de um convite à assinatura, tendo por base determinada proposta de lei, que pretende “mudar”, este nosso bloqueado sistema. 
Eu próprio já assinei algumas. Mas tudo sem consequência de maior. Como diz o povo “vozes de burro não chegam ao céu”.
Uma porta aparentemente aberta, em Junho de 2003, com a lei 17/2003. Mais uma aparência, para dar um ar democrático a um regime, que todos os dias o perde. Uma lei inócua, por impraticável e inacessível. Mas óptima, para o cidadão perceber sobre um direito, que deveria possuir, e ao qual é impossibilitado na prática de aceder.
E o direito, será o de por iniciativa própria, qualquer grupo de cidadãos, poder realmente fazer propostas de legislação que sejam adoptadas como leis da Republica. Algo mítico, não?

Desde logo a citada lei no seu artº 3º, tem o cuidado de delimitar e lembrar aos incautos, que porventura poderiam querer “mudar o mundo”, que sim senhora, a “plebe” pode apresentar legislação, mas só daquela que não ponha em causa um conjunto de prorrogativas muito amplas, guardadas aos poderes instituídos, com destaque para as alterações à Constituição da Republica.
No resto, diz-nos o artº 5º, a liberdade é total. Podemos livremente pensar em leis, discuti-las publicamente, recolher assinaturas do modo que quisermos, cumprir qualquer trâmite necessário, e ainda por cima fazê-lo de graça, sem pagamento de qualquer emolumento. O que é para admirar, num país em que se paga taxas até para dormir. Mas só podemos entrar em S. Bento com a proposta legislativa, debaixo de braço, desde que tragamos atreladas trinta e cinco mil assinaturas. 
E para aqueles, que não têm pachorra para fazer contas: se conseguirmos convencer dez cidadãos a assinar cada folha A 4, serão necessárias três mil e quinhentas folhas de papel, e então precisaremos inevitavelmente, de alguns cidadãos possantes, para subir as escadas de S. Bento com elas. Muito mais difícil, será a obtenção dos meios humanos para junto dos cidadãos as conseguir.
E entra-se no labirinto. Onde os jogos de interesse imperam; onde o jogo de xadrez, de quem consegue vantagem, sobre o outro é imperativo; onde as jogadas baixas e imprevisíveis, aparecem por detrás de um telefonema; onde só poucos jogam e mandam, e mesmo esses subordinados a sabe-se lá quem; uma confusão de vontades, só esclarecidas no momento da verdade, no momento da votação, se se chegar lá.
À, este tipos também querem fazer leis? Um manancial de burocracias; barreiras de comissões, daquelas que analisam, e das outras que empatam as que analisam; e das outras que alem de protelarem, adiam. Talvez não indefinidamente, e um dia, caso a benfazeja proposta seja mesmo suficientemente inóqua e pacífica, passe a porta da aprovação na generalidade, e caminhe por uma outra porta que a leve à aprovação na especialidade.
E esta da especialidade, está munida de uma grande lupa. Não uma lupa que se interesse, por em pormenor tornar a proposta de lei, melhor e benfazeja em favor da sociedade. Não, é uma lupa mais especial. Interessa-se sim, que de toda a maneira, a proposta de lei sob análise, não ofenda qualquer interesse estabelecido, residente sob a asa dos partidos maioritários, e se possível ainda, permita beneficiá-los. E aqui entram as funções “corta e cola”, “altera e deturpa”, “inibe e protege”. O objectivo será que a nova lei, sirva quem deva servir, não proteja quem deva proteger, pareça que funciona, mas na prática seja ineficiente.
Tal e qual a lei 17/2003, a tal que permitiria idealmente que grupos de cidadãos propusessem legislação, e na realidade prática, não é mais do que um monte de palavras, transformadas em lei cujo verdadeiro objectivo é parecer o que não é. Um instrumento democrático.