Iniciativa
Legislativa do Cidadão. A sigla, ILC, perpassa de quando, em vez
diante dos nossos olhos.
Muitas vezes, sob o feitio de um convite à
assinatura, tendo por base determinada proposta de lei, que pretende
“mudar”, este nosso bloqueado sistema.
Eu próprio já assinei
algumas. Mas tudo sem consequência de maior. Como diz o povo “vozes
de burro não chegam ao céu”.
Uma
porta aparentemente aberta, em Junho de 2003, com a lei 17/2003. Mais
uma aparência, para dar um ar democrático a um regime, que todos os
dias o perde. Uma lei inócua, por impraticável e inacessível. Mas
óptima, para o cidadão perceber sobre um direito, que deveria
possuir, e ao qual é impossibilitado na prática de aceder.
E
o direito, será o de por iniciativa própria, qualquer grupo de
cidadãos, poder realmente fazer propostas de legislação que sejam
adoptadas como leis da Republica. Algo mítico, não?
Desde
logo a citada lei no seu artº 3º, tem o cuidado de delimitar e
lembrar aos incautos, que porventura poderiam querer “mudar o
mundo”, que sim senhora, a “plebe” pode apresentar legislação,
mas só daquela que não ponha em causa um conjunto de prorrogativas
muito amplas, guardadas aos poderes instituídos, com destaque para
as alterações à Constituição da Republica.
No
resto, diz-nos o artº 5º, a liberdade é total. Podemos livremente
pensar em leis, discuti-las publicamente, recolher assinaturas do
modo que quisermos, cumprir qualquer trâmite necessário, e ainda
por cima fazê-lo de graça, sem pagamento de qualquer emolumento. O
que é para admirar, num país em que se paga taxas até para dormir.
Mas só podemos entrar em S. Bento com a proposta legislativa,
debaixo de braço, desde que tragamos atreladas trinta e cinco mil
assinaturas.
E para aqueles, que não têm pachorra para fazer
contas: se conseguirmos convencer dez cidadãos a assinar cada folha
A 4, serão necessárias três mil e quinhentas folhas de papel, e
então precisaremos inevitavelmente, de alguns cidadãos possantes,
para subir as escadas de S. Bento com elas. Muito mais difícil, será
a obtenção dos meios humanos para junto dos cidadãos as conseguir.
E
entra-se no labirinto. Onde os jogos de interesse imperam; onde o
jogo de xadrez, de quem consegue vantagem, sobre o outro é
imperativo; onde as jogadas baixas e imprevisíveis, aparecem por
detrás de um telefonema; onde só poucos jogam e mandam, e mesmo
esses subordinados a sabe-se lá quem; uma confusão de vontades, só
esclarecidas no momento da verdade, no momento da votação, se se
chegar lá.
À,
este tipos também querem fazer leis? Um manancial de burocracias;
barreiras de comissões, daquelas que analisam, e das outras que
empatam as que analisam; e das outras que alem de protelarem, adiam.
Talvez não indefinidamente, e um dia, caso a benfazeja proposta seja
mesmo suficientemente inóqua e pacífica, passe a porta da aprovação
na generalidade, e caminhe por uma outra porta que a leve à
aprovação na especialidade.
E
esta da especialidade, está munida de uma grande lupa. Não uma lupa
que se interesse, por em pormenor tornar a proposta de lei, melhor e
benfazeja em favor da sociedade. Não, é uma lupa mais especial.
Interessa-se sim, que de toda a maneira, a proposta de lei sob
análise, não ofenda qualquer interesse estabelecido, residente sob
a asa dos partidos maioritários, e se possível ainda, permita
beneficiá-los. E aqui entram as funções “corta e cola”,
“altera e deturpa”, “inibe e protege”. O objectivo será que
a nova lei, sirva quem deva servir, não proteja quem deva proteger,
pareça que funciona, mas na prática seja ineficiente.
Tal
e qual a lei 17/2003, a tal que permitiria idealmente que grupos de
cidadãos propusessem legislação, e na realidade prática, não é
mais do que um monte de palavras, transformadas em lei cujo
verdadeiro objectivo é parecer o que não é. Um instrumento
democrático.
por Octávio Serrano para o RiseUp Portugal