David Duarte, 29 anos, perdeu a vida na madrugada de 13
para 14 de dezembro (de domingo para segunda-feira) no Hospital de São
José, em Lisboa, porque a equipa médica que o poderia salvar recusa
trabalhar ao fim de semana pelo valor que o Estado paga. A namorada de
David Duarte, Elodie Almeida, de 25 anos, estava com ele quando surgiram
os primeiros sinais. Colocou em palavras escritas aquilo que não
conseguiu contar ao Expresso de viva voz. É um testemunho raro. Ao jornal Correio da Manhã, a mãe de David Duarte contou que este deu entrada no
hospital de Santarém na sexta-feira, dia 11, com dores de cabeça,
parcialmente paralisado e incapaz de falar. Foi transferido para o
Hospital de São José, em Lisboa, onde aguardou cirurgia até
segunda-feira para o que seria um aneurisma cerebral. Acabaria por
morrer antes de a cirurgia ser realizada, apesar de ter sido marcada
para o dia 14.
Ao Diário de Notícias, o Centro
Hospitalar de Lisboa Central (CHLC), ao qual pertence o Hospital de São
José, confirmou que a prevenção aos fins de semana de neurocirurgia
vascular está suspensa desde abril de 2014. Como a prevenção ao fim de
semana é de regime voluntário, alguns especialistas optaram por deixar
de a fazer, devido à alteração dos regimes remuneratórios. Embora
existam dois neurocirurgiões no Hospital de São José 24 horas por dia, a
neurocirurgia de urgência de aneurismas é "altamente especializada",
disse ao DN porta-voz do CHLC, e requer uma equipa "especialmente
habilitada" para a realizar "com resultados satisfatórios".
Nós raramente postamos este tipo de episódios mas
isto é ilucidativo de muita coisa que se anda a passar em Portugal. Em primeiro lugar gostaria de perguntar aos nossos leitores quantos de
vós, numa situação ou noutra não foi chamado de urgência aos vossos
respectivos locais de trabalho, numa altura em que estariam de folga, de
feriado ou fora do vosso horário de trabalho, para resolver uma ou
outra situação? Em segundo lugar, isto passou-se no Hospital de São
José, no centro de Lisboa. Ou seja, se isto se passa no centro de
Lisboa, como estará a situação em Hospitais em zonas mais remotas do
país. Em terceiro lugar,
este homem teria morrido se tivesse dinheiro para ser intervencionado
por uma instituição hospitalar privada? Não existiam
especialistas devido a mudanças remuneratórias ... OK, então, quem vai
dar a cara por cortes austeritários criminosos que provocam ou podem
provocar este tipo de situações? ...
Se este rapaz de 29 anos tivesse dinheiro de sobra ou fosse um banco, seria salvo. É este o futuro do nosso sistema nacional de saúde. Quem não pode pagar, que morra aí à espera num canto.
A namorada de David Duarte, Elodie Almeida :
Na sexta-feira, dia 11 de dezembro, em
pânico, liguei para o 112 por volta das 14h30. O David ficou paralisado
do lado direito, sem conseguir formular frases. Tentava falar mas era
incapaz, apenas conseguia gritar e chorar. A ambulância chegou, o David
estava consciente e ciente daquilo que lhe pediam e perguntavam, porém,
continuava sem conseguir expressar-se. Ajudaram-no a vestir-se e a
calçar-se, colocando-o de seguida numa cadeira de rodas, visto que não
tinha força na perna direita. Fui com eles na ambulância. O David
chegou ao Hospital de Santarém e foi logo colocado em observação.
Fizeram-lhe exames, enquanto aguardei.
Após 30 a 45 minutos de
espera, deixaram-me vê-lo. O David dormia mas por vezes abria os olhos.
Estava muito agitado. O médico acordou-o e pediu-lhe para levantar os
braços e ele conseguiu levantar apenas o braço esquerdo. Pediu-lhe para
levantar as pernas e ele conseguiu levantar a esquerda e, muito
lentamente, levantou a direita. Estava consciente.
Pouco tempo
depois, fui chamada, eu e a avó materna do David, que se encontrava no
hospital por outros motivos. Anunciaram-nos, numa sala à parte, que o
David tinha tido uma hemorragia cerebral e um grande hematoma e teria de
ser transferido de urgência para o Hospital de São José, em Lisboa.
Apenas tive tempo de lhe dar um beijo. Ele abriu os olhos e eu
disse-lhe: “Eles vão cuidar de ti.” Foi de imediato transferido pelo
INEM, penso que seriam cerca de 18h.
Esperei umas horas pelo meu
pai, que veio de Coimbra buscar-me para seguirmos para o Hospital de São
José. Chegámos por volta das 22h, penso eu. Pedimos informações,
procurámos o edifício que nos referiram, porém estava fechado.
Apareceu
uma enfermeira, que gentilmente nos fez entrar e aguardar pela médica.
Esperámos cerca de uma hora. No final, foram dois médicos que se
reuniram connosco numa sala. Estávamos presente eu, o meu pai, Fernando,
e a Sra. Zélia, mãe do David, que fomos buscar a Vila Chã de Ourique no
caminho para o Hospital de São José.
Ali anunciaram-nos,
descontraidamente, que se tratava da rutura de um aneurisma, que o
sangue se espalhou pelo cérebro e que, geralmente, estes casos de
urgência teriam de ser tratados de imediato, ou seja, o doente teria de
ser logo operado. Mas como os médicos referiram, infelizmente calhou ser
numa sexta-feira, logo não iria haver equipa de neurocirurgiões durante
o fim de semana. O David teria de aguardar até segunda para ser
operado. Deram-me a entender que o sangue espalhado pelo cérebro
poderia, muito provavelmente, causar sequelas e posteriormente múltiplos
AVC.
No sábado, dia 12, visto que a família mais próxima do
David decidiu visitá-lo, estando eu em Coimbra, decidi ficar, ligando
constantemente para o hospital para pedir informações (raramente era
atendida ou pediam para ligar mais tarde). Pedi ao Sr. José, tio do
David, para pedir informações junto às enfermeiras ou aos médicos, pois
queria saber se existia a hipótese de o David ser transferido para outro
hospital, de forma a ser operado o mais rapidamente possível. Pelo que
entendi, a melhor opção era sem dúvida o Hospital São José e não seria
apropriado transferi-lo.
Nesse mesmo dia, a mãe do David referiu
que ele abria os olhos, levantava os ombros e sentia frio nas pernas,
tendo tido a iniciativa de se tapar com o lençol, apesar de as
enfermeiras terem informado que não estaria consciente, que não iria
reconhecer-nos e que estava demasiado confuso e perturbado. Visitei o
David no domingo, dia 13, e ele estava em coma induzido.
Disseram-me
que o caso se tinha agravado, que ele vomitou durante a noite, que
começou a fazer demasiado esforço para respirar e que o coma induzido
seria uma forma de ele não permanecer agitado e de o ajudar a respirar,
de modo também a prepará-lo para a cirurgia de segunda-feira de manhã.
Anunciaram-me
que a sorte dele era ser novo, mas que o grande problema era o sangue
espalhado pelo cérebro, que poderia provocar sequelas e outras
complicações. Porém, algo bom aconteceu. Segundo o médico, criou-se um
coágulo de sangue que permitiu “fechar” a veia, mantendo o sangue a
circular dentro da mesma e permitindo que ele ficasse calmo e que a veia
não voltasse a rebentar. A operação consistia na remoção do hematoma e
desse coágulo, selando a veia através de um “clipe” e eliminado
definitivamente o aneurisma.
Por outro lado, o meu pai falou com
outra médica, que confirmou que a operação seria no dia seguinte de
manhã e que seria melhor aguardarmos 48 horas antes de visitar o
paciente, para não ficar perturbado.
No dia seguinte,
segunda-feira dia 14, liguei várias vezes, querendo saber como tinha
corrido a operação. No momento em que atenderam, por volta das 14h30,
disseram-me simplesmente que não tinha sido realizada e que seria melhor
deslocar-me ao Hospital São José, sem acrescentarem mais informações.
Eu própria tive de informar a mãe do David, visto que ninguém do
hospital nos telefonou.
Mais uma vez, fomos de Coimbra até Vila
Chã de Ourique buscar a mãe do David. Chegámos ao Hospital de São José e
aí anunciaram-mos que o David tinha tido morte cerebral e que seria
irreversível. Não me deram mais detalhes. Completaram esta grave
notícia, anunciando que no mesmo dia ou no dia seguinte ele seria
operado para a doação de alguns dos seus órgãos.
O funeral de David Duarte realizou-se no dia 17 de dezembro de 2015, quinta-feira.
Os nosso sentimentos