O Jornal Mapa publicou em Dezembro de 2013 um excelente e completo artigo sobre o urgente tema da Fractura Hidráulica, ou Fracking como é vulgarmente designado internacionalmente.
Este assunto reveste-se da maior importância, pois esta practica de extracção de recursos naturais, tem sido responsável por irreparáveis desastres ambientais, com custos não apenas para ambiente e vida selvagem, como também para a saúde pública daqueles que têm como infurtúnio ter como vizinhança próxima, uma poderosa multinacional que queira ou pratique fracking na sua região.
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através da informação, debate e discussão, a ser usada para o
desenvolvimento da crítica enquanto alimento do pensamento e de práticas
de autonomia e liberdade em todos os aspectos da vida. Não está ,
portanto, contido na zona de influência de grupos económicos ou partidos
políticos.
A revolução energética do gás de xisto anuncia lucros fabulosos
às multinacionais petrolíferas. Surgem na crise como a grande saída
económica, mas o secretismo é a alma do negócio. A sua exploração por
fractura hidráulica comprovou ter perigosas implicações ambientais e na
saúde pública. Em Portugal, da região oeste à costa vicentina, de
Alcobaça ao Barreiro, o estado português hipotecou já milhões de
hectares a troco de uma factura demasiado alta.
Boa parte do futuro do planeta joga-se na questão da crise
energética. Em seu torno ficou conhecida a teoria do Pico do Petróleo,
que proclamou o inevitável declínio da produção viável de petróleo, com
consequências na “geo”política. Um cenário inerente às crises da
economia do mercado e que traduz o colapso da ideia de bem-estar
generalizado das sociedades industrializadas. Dependendo de um constante
fornecimento de petróleo barato e equacionando um sentido de
desenvolvimento à medida do aumento exponencial do consumo energético,
foram apresentadas uma série de alternativas energéticas e novos
recursos fósseis. Mas o que se observa é que persistem sacrossantos os
mesmos princípios: que sejam abundantes e fáceis de conseguir e sem
olhar a impactos; que garantam o combustível necessário para manter
inquestionável o modo de vida industrializado em crescendo. E este é
cada vez mais acelerado, global e voraz.
Gás de Xisto
É neste contexto que surge o gás de xisto. A partir dos
hidrocarbonetos incrustados nas rochas, a sua exploração começou a ser
implementada em larga escala nos EUA, em 2007/ 2008. Não é por mero
acaso que coincide com o anúncio da crise financeira mundial.
A grande controvérsia do gás de xisto surge do seu modo de extração: a chamada fractura hidráulica (fracking).
Processo utilizado com vista à obtenção de maior produção de um poço
(perfuração horizontal) com a propagação de fracturas numa camada de
rocha causada pela presença de líquidos pressurizados. Ou seja, a
injecção de milhões de litros de água, areia e uma mistura de centenas
de detergentes químicos, que fracturam a rocha para extracção do gás.
Mas há dois grandes problemas: a infiltração e contaminação química nos
aquíferos e subsolo; e o potenciar de terramotos.
Falamos de tão grandes níveis de contaminação que levam a que em tais
águas chegue a ser possível acender fogo, de tal forma viraram
combustível. Falamos de riscos para a saúde e para o ambiente,
incalculáveis na sua dimensão, pois a fórmula dos químicos usados na
fractura hidráulica não é revelada, alegando uma política de patentes.
Mas entre as substâncias conhecidas, estão elementos cancerígenos como o
benzeno, a nafta ou o chumbo, etilenoglicol, etc. E para lá dos gastos
gigantescos num contexto de escassez, a água retirada durante o processo
acaba despejada em áreas sem qualquer impermeabilização, infiltrando-se
de novo ou evaporando-se na atmosfera. Juntando-se às substâncias
cancerígenas e neurotoxinas evaporadas na extracção; à emissão de metais
pesados e à libertação de metano, um gás 25 vezes superior ao do CO2, de enorme impacte no efeito de estufa, e resultando na morte da fauna e ecossistemas envolventes.
Já o comentador de assuntos económicos Francisco Sarsfield Cabral, em
Março de 2013, dava conta de outros receios à Rádio Renascença: como
“na região holand esa de Groningen, onde se situa a maior jazida de gás
natural da Europa, as populações receiam que o fracking, ali
utilizado, aumente os tremores de terra que por lá se sucedem.” Um
artigo do Instituto Carbono Brasil, com base numa investigação da
Universidade de Colúmbia, exemplificava como pelo menos 109 terramotos
foram registados na cidade de Youngstown (Ohio), num período de apenas
14 meses. Não havia registos anteriores de abalos sísmicos na área e
estes teriam começado somente 13 dias após o início da exploração do gás
de xisto na região.
É neste cenário de risco que os EUA esperam transformar-se no maior
produtor mundial de gás em 2015 e o maior produtor de petróleo em 2017.
Segundo a Agência Internacional de Energia, citada pelo Le Monde Diplomatique,
a alta programada para a produção de hidrocarbonetos passaria de 84
milhões de barris / dia em 2011 para 97 milhões em 2035, à conta
“inteiramente dos gases naturais líquidos e dos recursos não
convencionais”: o gás e o óleo de xisto. Dados que devem ser vistos com
reserva, uma vez que são formulados pelas instâncias petrolíferas. A
manipulação dessas previsões não é isenta de especulação financeira,
criando, a nível das energias fósseis, o mesmo ilusionismo financeiro
que levou antes a banca mundial a desenhar os diversos cenários das
crises em que vivemos. E neste caso, aproveitando o panorama da crise
para anunciar o gás de xisto como a saída para a economia, omitindo ou
justificando todos os riscos associados, como se de um mal menor se
tratasse.
Isso não significa que o perigo não seja conhecido, mesmo que não
haja qualquer legislação que exija estudos de impacte ambiental. E se
países como a China ou a Polónia (com grandes reservas calculadas de gás
de xisto) estejam a investir na exploração, outros como França,
Bulgária, África do Sul, Austrália, algumas regiões da Alemanha e da
Suíça, e mesmo nalguns estados dos EUA, têm vindo a colocar limites à
fractura hidráulica.
Em Portugal
Em Portugal a procissão ainda vai no adro. António Mexia, o líder da
EDP detida pelo estado Chinês, fez eco das reivindicações das grandes
empresas europeias do sector energético (Iberdrola, Gas Natural Fenosa,
Enel, ENI, GDF Suez, RWE, E-ON, Gasterra, Vattenfall e CEZ Group),
exigindo uma série de reformas. Segundo o jornal i, António Mexia,
reclamava em Outubro não haver na Europa “uma política integrada para o
shale gas [gás de xisto] e há até países que proibiram a exploração de
shale gas”.
Daniel Gros, director do Centro de Estudos Políticos
Europeus, respondia nesse mesmo mês no Jornal de Negócios, apontando as
diferenças entre a Europa e os EUA: desde logo, por não haver na União
Europeia nenhuma autoridade para o desenvolvimento do gás de xisto,
regulamentado a nível nacional. E reconhecendo “que os europeus são
muito sensíveis às questões ambientais”, lamentava que “na Europa, o
fenómeno Nimby («not in my backyard», que significa “não no meu
quintal”) é um obstáculo muito maior que nos Estados Unidos”.
Prosseguia, indicando a diferença, segundo a qual “os direitos de
propriedade sobre os recursos naturais nos Estados Unidos pertencem ao
proprietário do terreno debaixo do qual se encontram os recursos, na
Europa a propriedade pertence ao Estado (…) , como resultado, os
europeus, enfrentando consequências ambientais imprevisíveis sem receber
nada das receitas, tendem a opor-se à fracturação hidráulica próxima de
si.
Pelo contrário, nos Estados Unidos, os residentes locais beneficiam
muito da possibilidade de vender os seus direitos às empresas de gás –
um forte contrapeso para os receios com os custos ambientais.” Ainda
segundo este analista europeu, a menoridade dos custos ambientais face a
esse “forte contrapeso” não teria a mesma medida na Europa por via
desses “direitos de propriedade”.
Nessas incertezas económicas, as
implicações ambientais são tidas apenas ao nível do obstáculo ao
investimento e levam Daniel Gros a conclui que “a melhor opção para a
Europa pode ser esperar e deixar que o mercado funcione”. Já o
presidente da Endesa em Portugal e ex-secretário de Estado da Energia,
Nuno Ribeiro da Silva, lembrava ao Dinheiro Vivo outra explicação para
as opções europeias, ou como “a Europa está entalada” por via dos
gasodutos de gás natural já investidos e os ”contratos de longo prazo
com a Nigéria e Argélia [por via das petrolíferas] que têm de ser pagos
mesmo que não se levante o gás todo”.
A verdade é que o mercado não espera. Em Maio de 2011, segundo
promovia o Expresso, a Schlumberger, uma das maiores empresas de
engenharia de Oil & Gas no mundo, destacava a bacia portuguesa
“onshore” e “offshore”. Razão porque a empresa norte-americana Mohave
Oil and Gas Corporation, da Porto Energy Corporation, opera em Portugal
desde há 20 anos na prospecção de petróleo e de gás: seja “onshore” (em
terra, em Aljubarrota, Rio Maior e Torres Vedras), seja “offshore” (no
mar, ao largo de São Pedro de Moel e Cabo Mondego).
Até finais de 2006, apenas essa multinacional operava em Portugal,
explorando a Bacia Lusitânica desde o Cabo Mondego até Torres Vedras,
mas em 2007 foram assinados 12 novos contratos com o estado português,
incluindo novas concessões nessa área com a Mohave. O consórcio da
brasileira Petrobras, com as portuguesas Galp e Partex (empresa da
Fundação Calouste Gulbenkian), obtém a concessão da bacia de Peniche. Na
bacia “offshore” do Alentejo – costa vicentina em particular – o
consórcio coube à Hardman / Galp / Partex, o qual transita em 2010 para o
consórcio Petrobras / Galp. A exploração da bacia do Algarve é
adjudicada à espanhola Repsol em parceria com a alemã RWE, vindo
posteriormente a ser igualmente participada pela Partex e, em
contrapartida, o grupo espanhol entra na exploração de Peniche.
Portugal ainda está, assim, no início. Nesta última década, o maior
destaque e investimento incidiu nesse âmbito na região Oeste (Bacia
Lusitânica). As cerca de 23 perfurações feitas pela Mohave, que
levantaram alguns protestos e preocupações devido à proximidade dos
poços em relação à vila e mosteiro de Alcobaça, levaram que, por agora,
se fechassem os poços, sabendo-se apenas que são “economicamente não
viáveis”, apesar de em furos de 3,240 metros terem sido registados
colunas de gás e areias de petróleo.
Isso não significa o abandono ou desistência da região. Nos concelhos
do Bombarral, Cadaval e Alenquer, a Galp Energia prossegue, em parceria
com a Mohave, a exploração petrolífera no “onshore” português.
“Empenhada em reforçar a sua estratégia, como se pode verificar pela
opção de se tornar operadora na concessão Aljubarrota-3”, afirmou o seu
presidente executivo Manuel Ferreira de Oliveira em declarações ao
Dinheiro Vivo, sendo que “isso não significa que a exploração de gás de
xisto seja viável nessa concessão”.
Por fim, em Fevereiro de 2013, a Direcção Geral de Energia e Geologia
concedeu a exploração de gás e petróleo na margem sul do Tejo, até
2021, à canadiana Oracle Energy Corporation. O concelho do Barreiro foi
anunciado como o ponto de partida, assim como vários locais da Península
de Setúbal. Esta nova área da Bacia Lusitânica, na sua quase totalidade
de exploração em terra, é uma vez mais feita em parceria com a Mohave, a
qual só por si detém uma área de aproximadamente 1,3 milhões de
hectares contíguos a esta nova frente de exploração.
O entusiasmo, na actualidade, parece efetivamente ter transitado da
região Oeste para as zonas mais a Sul. Segundo a apresentação da
estratégia de negócio da Galp até 2017: “neste momento, nesta fase dos
estudos geológicos, a probabilidade de investimento seria mais na bacia
do Alentejo do que na bacia de Peniche”, assumindo que “Portugal é um
investimento de risco. Ou tem sucesso ou não tem e até ao final deste
ano tomamos a decisão de perfurar ou não um poço em 2014 e tanto podemos
avançar como podemos devolver a concessão ao Estado”, até porque
prosseguem pela Galp investimentos mais animadores em recentes
descobertas no Brasil e em Moçambique.
Neste cenário corporativo, maior entusiasmo demonstrou o presidente
da Partex, António Costa e Silva, ao Dinheiro Vivo em Outubro passado,
acerca deste novo mercado mundial de energia: “É um impacto brutal e uma
mudança geopolítica impressionante. E agora até estão a produzir
petróleo de xisto, o que fez a produção diária crescer um milhão de
barris. Foi a maior do mundo”. Logo secundado pelo presidente da Endesa
Nuno Ribeiro da Silva, acalmando as hostes ambientalistas: “Há situações
em que há riscos, e situações em que ele não existe, mas o gás de xisto
não é o papão”. Mas não sem deixar de aconselhar que a um “mapeamento
das zonas do país onde há condições geológicas para a existência de gás e
petróleo de xisto” haveria que “cruzar essas zonas com os aquíferos e
com as zonas de instabilidade sísmica”…
Em Oposição
A passagem do filme Terra Prometida (2012) do realizador Gus Van
Sant, em torno de uma povoação confrontada com a exploração do gás de
xisto, dava o mote na Casa Viva no Porto, em Novembro passado, para
questionar essa “miragem de uma espécie de terra de abundância,
vislumbrando aquilo que chamam a «independência energética»”: Que
Abundância? Que Terra? Que Energia? Que Futuro?
O assunto tem sido, desde Novembro, de 2012, alvo de divulgação por parte das iniciativas Gasnaturalnao e Tar Sands day – alimentando o blog gasnaturalnao.wordpress.com
– assumindo um esforço não para “ter reuniões com as corporações ou com
a classe politica”, mas para “levar os cidadãos locais a investigar o
comportamento das corporações nas suas localidades e agir em
conformidade”. Um ano depois, o Bloco de Esquerda e Os Verdes
manifestam-se contra a fracturação hidráulica, propondo estes últimos a
11 de Outubro uma moratória à exploração de gás de xisto.
Uma reflexão no blog gasnaturalnao,
ilustrava, a este propósito, como “os dias de hoje em Portugal são uma
cópia dos anos 80, temos uma coligação de direita liberal cristã,
encontramo-nos sobre leis do FMI, o apoio político nacional e europeu às
corporações de petróleo estão protegidas como nos anos 80, e as
«necessidades sociais e políticas» são iguais. O investimento do governo
nas instalações saiu caro aos povos e depois foram privatizadas,
estando hoje ao serviço da nova aposta petroquímica nacional e
internacional na exploração de petróleo e gás natural em Portugal. As
lutas, soluções, lobbing e as políticas dos partidos de hoje são iguais
às dos anos 80. A direita alimenta-se da crise e abre portas a
multinacionais mundiais e vende acres de chão e mar para lucro
corporativo. A esquerda, utilizando o trabalho não ataca a exploração
mas sim o fim dos lucros”. Ao facto de pouco se falar sobre os negócios
petrolíferos na esfera politica, junta-se o débil debate que apenas
agora se inicia no meio ambientalista.
O ambiente propício da crise determina, em boa parte, esse quase
silêncio. O argumento economicista ofusca, uma vez mais, as questões
ambientais e sobre a verdadeira sustentabilidade dos territórios,
completamente menorizados ou ultrapassáveis , pois enquanto se continue a
acreditar “nas boas intenções das corporações, que hajam grupos
ambientalistas que se sentem à mesa, que aceitem percentagens, limites
de poluição, que se troque apoio social com destruição ambiental nada
vai mudar” acentua o blog gasnaturalnao. No entanto, em Espanha e no
resto do mundo, a luta contra a fracturação hidráulica é hoje um campo
de vitalidade e de esperança numa mudança.
As mobilizações de
assembleias populares, por exemplo na região espanhola de Burgos, vão
impondo alguns travões por via da auto-organização, levando atrás
declarações dos municípios contrários à implementação da indústria do
gás de xisto, numa postura informada diametralmente oposta ao que
assistimos em Alcobaça, Caldas da Rainha ou Torres Vedras. Já no âmago
do fracking, como no Canadá em Outubro passado, incendiaram-se
as ruas num violento grito de protesto face à destruição humana e da
natureza implícita à fracturação hidráulica.
Revolução Energética?
Concluindo, a grande revolução energética do gás de xisto
não resulta em nenhuma saída sustentável para o descalabro consumista
das actuais sociedades industriais. Apenas pretende optimizar a margem
de lucro da restrita teia das multinacionais, com o despudor de acentuar
os riscos ambientais do planeta.
A persistente noção de como o nosso
modo de vida industrializado depende constantemente do fornecimento de
petróleo barato, leva a que quaisquer oposições coerentes a estas revoluções energéticas apenas possam ter lugar num âmbito diametralmente oposto a esse modo de vida.
E nas últimas décadas um conjunto de movimentos – do decrescimento,
iniciativas de transição ao anti-desenvolvimento e de crítica
civilizacional – vêm apontando não uma solução imediata, mas um conjunto
de rumos para levar a cabo modos de vida menos dependentes de recursos
energéticos e maior resiliência. Este último conceito, oriundo da
ecologia, significa precisamente a capacidade de um sistema restabelecer
o equilíbrio após ter sido rompido por um distúrbio. Diferindo de
resistência, enquanto capacidade de manter a mesma estrutura, mas antes
como uma capacidade de reformulação radical dos seus princípios. Esse
alerta à actual dependência do petróleo (transportes, produção
industrial e alimentar, infra-estruturas, etc.) implica, assim, um
sentido de ruptura que não será fácil.
Pelo que a necessária
conflituosidade, capaz de deitar por terra os alicerces do sistema,
passa no âmbito energético não apenas por apontar alternativas aos
recursos fósseis, como o gás de xisto, mas em apontar alternativas aos
princípios e à natureza da sua exploração capitalista.
por Filipe Nunes para o Jornal Mapa
A fractura hidráulica é um processo altamente perigoso pela infiltração e contaminação química nos aquíferos e subsolo, e pelo aumento de risco de terramotos. |